Este início do mandato de Dilma Rousseff tem-se caracterizado por uma grande reconfiguração do cenário político-partidário brasileiro. Trata-se de uma mudança que, ao menos em parte, vem responder a uma tendência cíclica do sistema partidário parlamentar brasileiro: a migração de legisladores eleitos pela oposição rumo a partidos da base governista no primeiro ano de seus mandatos - como já demonstrou o cientista político Carlos Ranulfo Melo em diversos estudos. Foi assim durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (quando PSDB e, principalmente, PFL engrossaram suas fileiras com adesistas) e também durante os dois períodos de Lula (quando os partidos de centro-direita da base situacionista, PTB e PL, aumentaram significativamente suas bancadas).
Desta vez, em função da norma judiciária que proibiu a livre circulação de detentores de cargos eletivos para agremiações do governismo, ou mesmo entre elas, restou aos adesistas unicamente a opção de compor um novo partido - já que foi esta a "janela de infidelidade" mantida aberta pelos juízes. Isto explica o porquê da nova agremiação capitaneada por Gilberto Kassab ter nascido tão grande, colocando-se já de saída na condição de - no mínimo - sétima maior bancada da Câmara, como mostrou ontem reportagem do Valor. Tivéssemos ainda em vigência a antiga normatividade, que permitia o livre trânsito de políticos eleitos entre as legendas, muito provavelmente teríamos presenciado uma migração dispersa para as muitas agremiações da base situacionista - PP, PR, PSC, PRB e até mesmo o PTB, que apoiou José Serra na eleição, mas não tem qualquer vocação a manter seu oposicionismo depois de empossado um novo chefe de Executivo.
O novo quadro partidário faz do PSDB líder de polo frágil
Além de contribuir para a quase certa extinção congressual de partidos nanicos e anódinos, como PRP, PRTB e PMN, o processo de criação da nova agremiação enfraquece brutalmente o DEM (rebaixado da quarta para a oitava colocação na Câmara, perdendo pelo menos um quarto de seus membros) e o PPS (que talvez não perca posições no ranking, mas fica ainda mais esquálido). Com isto, o protagonismo tucano na oposição, que já era indiscutível, tornou-se mais pronunciado - sobretudo considerando que até este momento não foram anunciadas defecções no PSDB congressual. Como consequência disto e do fato de que apenas os tucanos têm-se mostrado capazes de liderar disputas presidenciais, a responsabilidade do PSDB e de seus líderes na condução das oposições tornou-se ainda maior do que foi no passado recente. Dificilmente voltaremos a presenciar episódios como o da rejeição da CPMF no Senado, quando foi o DEM - e não o PSDB - o principal artífice da maior derrota legislativa sofrida por Lula em oito anos. A maior dificuldade para os tucanos reside em que se consolidaram como condutores incontestes das oposições num cenário em que estas se encontram tremendamente fragilizadas.
É neste contexto que se inscrevem as recentes manifestações - eloquentes ou silenciosas - dos principais caciques tucanos. Ao proferir seu primeiro grande discurso da tribuna do Senado, galvanizando as atenções do Congresso, da classe politica, da mídia e da opinião pública durante três dias seguidos (antes, durante e depois de seu pronunciamento), Aécio Neves confirmou o acerto estratégico de sua decisão de não compor a chapa presidencial oposicionista no ano passado. Ficou o pé e marcou o território como principal liderança oposicionista na conjuntura, aquela sobre quem se lançam os holofotes e se dá ouvidos, pois atua na cena pública e deixa evidenciado o caminho que pretende seguir. Tivesse concorrido à vice-presidência, seria hoje não só um derrotado, mas um derrotado sem mandato e sem uma tribuna tão propícia à publicização de posicionamentos oposicionistas como é o Senado Federal.
Fernando Henrique Cardoso, após ter-se beneficiado pelo início de um processo de reabilitação de sua administração num lugar onde ela jamais deveria ter sido posta de canto (seu próprio partido), ganhou espaço para interferir de forma mais efetiva no debate que as oposições travam consigo próprias - definindo estratégias, procurando espaços e públicos que lhes sejam sensíveis. É nesta configuração que se inscreve a ponderação do ex-presidente segundo a qual os partidos de oposição não têm como ganhar a disputa de curto prazo no terreno do adversário - os movimentos sociais e o povão. Apesar do texto de FHC não ser de fato tão claro no caráter tático deste recuo em relação aos setores em que o PT e seu governo gozam de ampla vantagem, as críticas que lhe foram dirigidas parecem provir menos de uma leitura atenta e mais de um certo juízo a priori que se faz acerca do PSDB - como elitista, tecnocrático, academicista etc.. Ora, ainda que veladamente, a ponderação de FHC embute uma severa crítica a táticas patéticas de convencimento demagógico das massas populares, como o salário mínimo de R$ 600.
Em contraste com seus eminentes colegas de partido, José Serra tem adotado como estratégia o mesmo silêncio que caracterizou sua pré-campanha presidencial. Tal quietude parece embutir um estilo de fazer política mais dado às urdiduras de bastidores do que ao debate de posições na cena pública. Ainda mais tendo-se seguido a uma derrota eleitoral na qual Serra (quebrando um protocolo democrático segundo o qual cabe ao perdedor reconhecer a vitória alheia antes que o próprio vitorioso venha a público comemorá-la) demoradamente aguardou para ter a última palavra, esperando que a presidenta eleita fizesse seu pronunciamento para ele, finalmente, fazer o seu. Nessa ocasião, deixou manifesta sua pretensão de liderar a oposição e ser novamente candidato, acotovelando-se com os correligionários ausentes e relativizando uma ideia que foi repetidamente invocada dentro de seu próprio partido para justificar sua candidatura - a de que política tem fila. Sendo este o caso, Serra parece não ter reconhecido um corolário inescapável desta noção de fazer política: o de que a fila anda.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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