A condição de ex-chefe de Estado ou de governo impõe certo decoro. Uma vez fora do círculo central de poder, os que tiveram nas mãos o destino de suas nações deveriam se abster, se não por prudência por magnanimidade, de posicionamentos que possam constranger seus sucessores, macular suas biografias – em alguns casos, ainda mais – ou ofender seus próprios países ou outras nações estrangeiras.
Este tipo de cuidado não parece fazer parte do rol de preocupações do ex-presidente francês François Hollande, dos ex-premiês italianos Massimo D’Alema, Enrico Letta e Romano Prodi, do ex-premiê belga Elio Di Rupo e do ex-premiê espanhol José Luis Zapatero. Os seis ex-líderes europeus assinaram um manifesto pela libertação de Lula da Silva, a quem chamam de “incansável arquiteto da redução das desigualdades no Brasil”, por considerarem “apressada” a prisão do ex-presidente.
É curiosa a noção de tempo dos signatários do manifesto porque em seus próprios países há casos em que condenados em primeira instância já podem ser presos, situação jurídica bastante diferente da do ex-presidente Lula, que perdeu por votações unânimes em todas as Cortes colegiadas que se debruçaram sobre seu processo.
Nada encabulado, o sexteto vai além: não basta soltar Lula da Silva, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, convém lembrar, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É preciso deixá-lo concorrer na eleição presidencial de outubro.
“Nós solenemente solicitamos que o presidente Lula possa se submeter livremente ao sufrágio do povo brasileiro”, pedem os ex-líderes.
Solenemente, eles ignoram a existência do ordenamento jurídico brasileiro. Solenemente, eles ofendem as instituições pátrias, como o Congresso que aprova as leis e os tribunais que as aplicam. Solenemente, eles ignoram os fundamentos que levaram à condenação de Lula da Silva apenas no primeiro dos seis processos em que ele é réu.
A bem da verdade, não vem apenas do exterior tamanho desrespeito pela lei brasileira. Houve aqui também vozes que defenderam a participação de Lula da Silva sob o argumento de que o ex-presidente deveria ser “julgado pelas urnas”. Para o bem da democracia no País, essa tolice não prosperou.
A Lei Complementar 135, de 2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, é taxativa ao afirmar que os que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado – caso de Lula da Silva – são inelegíveis.
O ministro Aloysio Nunes, das Relações Exteriores, divulgou uma nota oficial em que responde à altura a agressão às instituições brasileiras contida no tal manifesto estrangeiro. Classificando o documento como “preconceituoso, arrogante e anacrônico”, o ministro lembrou que os signatários, no fundo, propõem uma ruptura do Estado Democrático de Direito ao defenderem que seja aberta uma exceção a Lula na aplicação de uma lei que deve valer para todos os brasileiros.
“Qualquer cidadão brasileiro que tenha sido condenado em órgão colegiado fica inabilitado a disputar eleições”, disse o ministro. “Fariam isto em seus próprios países?” Não é provável.
Pertence ao campo das lides políticas a discussão em torno da suposta “pressa” no trato dos processos envolvendo o ex-presidente Lula da Silva ou a suposta “perseguição por meios jurídicos” – ou lawfare – de que ele estaria sendo vítima para “impedir a volta do líder popular ao poder”.
No mundo dos fatos, das provas e contraprovas, Lula da Silva é tão somente um réu que foi condenado ao final de um processo que seguiu todos os ritos aderentes ao princípio do devido processo legal. Fora disso, está-se no terreno das “narrativas”. Resta saber a que e a quem elas se prestam.
O manifesto se presta mais a ridicularizar seus signatários do que a produzir os fins a que se destina. O efeito prático de um documento assim é zero.
Sobre as parvoíces, ainda bem, pairam as leis. E as leis no Brasil são cumpridas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário