O Globo
STF já julgou inconstitucionais outros
calotes de precatórios. E o fará novamente, como ressaltam especialistas
No passado, comentei a rebeldia de Paulo Guedes em
decidir não pagar precatórios, que levou ao calote chancelado pelo Congresso,
vigente até 2026. À época, avisei que postergar o pagamento dos precatórios não
teria nenhum sentido econômico ou jurídico. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, parece ter corretamente chegado à mesma conclusão.
Sob o aspecto econômico, a medida foi tão desastrosa quanto calculei. Descrente na capacidade do Brasil de honrar suas obrigações, o mercado reagiu: já àquela época, a curva de juros longa havia subido 1% — o que nos custa R$ 50 bilhões ao ano —, e o risco Brasil (CDS) chegou ao patamar de 184,5 pontos, um impacto de 6,6%. Em 2026, o Brasil será devedor de quase R$ 300 bilhões aos credores de precatórios — mais que o dobro do valor que a PEC de Transição autorizou a União a gastar.
Quando Inês era morta, a equipe econômica
anterior admitiu o erro. A Secretaria do Tesouro Nacional propôs que fosse “excetuada
do limite de despesa, simplificando o arcabouço atual, permitindo o pagamento
tempestivo das obrigações assumidas pelo governo”. Quer dizer: retirar os
precatórios do teto, como fez a gestão Bolsonaro com tantas outras despesas.
A premissa econômica que levou ao calote é
errada. Submetidos ao teto de gastos, os precatórios consomem espaço
orçamentário cuja grandeza só se conhece ao final de cada ano. Quando a conta
não fecha, o Executivo privilegia despesas discricionárias em detrimento de
obedecer ao Judiciário e pagar os precatórios. E foi isso que Guedes fez. Já
naquela época, contudo, avisei que inexistia o óbice orçamentário que tanto
preocupava o ministro. Bastava pagar os precatórios fora do teto, evitando a
bola de neve que vemos crescer a cada ano.
Isso se justifica porque os precatórios não
são despesa primária. São ordens de pagamento emitidas pelo Judiciário contra o
Executivo, que se torna devedor. Assim, precatórios devem ser classificados
como dívida, até mesmo para que se possa dimensionar o tamanho do passivo
público, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Agora, com o novo governo focado em
desenhar um arcabouço fiscal que a um só tempo privilegie a assistência social
e promova estabilidade econômica, o tema poderá ser tratado de forma técnica.
Sob o aspecto jurídico, o Supremo Tribunal
Federal já julgou inconstitucionais outros calotes de precatórios. E o fará
novamente, como ressaltam vários especialistas (Fernando Scaff, Hamilton Dias
de Souza, Gustavo Binenbojm e Luís Adams). A razão é simples: o Executivo não
pode desrespeitar ordens emitidas pelo Judiciário. Foi justamente a visão de
que o Executivo estaria acima dos demais Poderes que culminou nas dantescas
cenas do último dia 8. Haddad caminha em sentido oposto, procurando desarmar a
bomba, restaurando a credibilidade do país e pacificando a relação entre os
Poderes.
*Luiz Gonzaga Belluzzo, doutor em economia
e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, foi secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda e de Ciência e Tecnologia de São
Paulo
2 comentários:
A herança "bendita" do maldito Jegues!
Concordo com o anônimo, desprezível ele, pena que o Bozo não enxergou. Isso foi decisivo para perder o governo por canalhice.
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