DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O sucesso econômico está longe de assegurar padrões de convivência civilizados, dignos da cidadania
OS DESLIZAMENTOS de terra assassinos ocorridos entre o Natal e o Réveillon, ao que tudo indica, estão incorporados à rotina do verão brasileiro. Entra ano, sai ano, as festas de muitas famílias brasileiras terminam em luto, em desespero e em saudade. É cômodo atribuir os desastres às vindicações da natureza e suas perversidades. Mas os homens de boa vontade, ambientalistas ou não, compreendem que o fenômeno tem uma dimensão histórica e, portanto, humana, enquanto expressão da ação coletiva de transformação da natureza e da sociedade.
No Brasil, o "desenvolvimentismo" e o processo de urbanização engendrado por ele juntaram o crescimento rápido à especulação imobiliária, ao aumento da desigualdade e à marginalização crescente dos contingentes "expulsos" de seus pagos.
O professor da Unicamp Wilson Cano, ainda nos anos 70, avaliou de forma profética os efeitos da expulsão de migrantes para as urbes do Sudeste. As cidades não cresciam, inchavam. Inchaço produzido pela incapacidade das políticas de Estado em lidar, na origem, com os desequilíbrios regionais -sobretudo com a questão agrária- e, no destino, de enfrentar a selvageria dos interesses cobiçosos.
A urbanização caótica é a face moderna de uma estrutura agrária arcaica, fenômeno já apontado por Inácio Rangel e Francisco de Oliveira. Essa dualidade contraditória resistiu bravamente às experiências dos países ocidentais no pós-Guerra, que cuidaram de promover a democratização da propriedade urbana e rural. Por isso, em todas as etapas, inclusive agora, as políticas de ocupação do solo, zoneamento e proteção de mananciais são sistematicamente violadas, seja pelo ímpeto dos empreendedores imobiliários, seja pelo desespero dos migrantes despossuídos.
As criaturas dessa urbanização patológica projetam seus espectros no cotidiano vivido pelos brasileiros nos dias atuais. A desregrada ocupação do solo, a favelização, a desconstituição familiar, a marginalidade social, a desorganização dos sistemas de transporte público e a decadência do sistema educacional, particularmente do ensino básico, são frutos da mesma árvore. Esse arranjo, típico de uma sociedade de massas periférica, combina ainda, perigosamente, a rápida "internacionalização" dos modos de consumo dos ricos e remediados com a persistência da desigualdade, a despeito dos esforços das políticas sociais dos últimos 15 anos.
O sucesso econômico está longe de assegurar padrões de convivência civilizados, dignos da cidadania
OS DESLIZAMENTOS de terra assassinos ocorridos entre o Natal e o Réveillon, ao que tudo indica, estão incorporados à rotina do verão brasileiro. Entra ano, sai ano, as festas de muitas famílias brasileiras terminam em luto, em desespero e em saudade. É cômodo atribuir os desastres às vindicações da natureza e suas perversidades. Mas os homens de boa vontade, ambientalistas ou não, compreendem que o fenômeno tem uma dimensão histórica e, portanto, humana, enquanto expressão da ação coletiva de transformação da natureza e da sociedade.
No Brasil, o "desenvolvimentismo" e o processo de urbanização engendrado por ele juntaram o crescimento rápido à especulação imobiliária, ao aumento da desigualdade e à marginalização crescente dos contingentes "expulsos" de seus pagos.
O professor da Unicamp Wilson Cano, ainda nos anos 70, avaliou de forma profética os efeitos da expulsão de migrantes para as urbes do Sudeste. As cidades não cresciam, inchavam. Inchaço produzido pela incapacidade das políticas de Estado em lidar, na origem, com os desequilíbrios regionais -sobretudo com a questão agrária- e, no destino, de enfrentar a selvageria dos interesses cobiçosos.
A urbanização caótica é a face moderna de uma estrutura agrária arcaica, fenômeno já apontado por Inácio Rangel e Francisco de Oliveira. Essa dualidade contraditória resistiu bravamente às experiências dos países ocidentais no pós-Guerra, que cuidaram de promover a democratização da propriedade urbana e rural. Por isso, em todas as etapas, inclusive agora, as políticas de ocupação do solo, zoneamento e proteção de mananciais são sistematicamente violadas, seja pelo ímpeto dos empreendedores imobiliários, seja pelo desespero dos migrantes despossuídos.
As criaturas dessa urbanização patológica projetam seus espectros no cotidiano vivido pelos brasileiros nos dias atuais. A desregrada ocupação do solo, a favelização, a desconstituição familiar, a marginalidade social, a desorganização dos sistemas de transporte público e a decadência do sistema educacional, particularmente do ensino básico, são frutos da mesma árvore. Esse arranjo, típico de uma sociedade de massas periférica, combina ainda, perigosamente, a rápida "internacionalização" dos modos de consumo dos ricos e remediados com a persistência da desigualdade, a despeito dos esforços das políticas sociais dos últimos 15 anos.
Daí a deterioração dos padrões de convivência (ou, se quiserem, de urbanidade) nas grandes cidades, culminando nas formas conhecidas de violência urbana (organizadas e desorganizadas), aí incluídas as rotineiras tragédias de verão, um modo de violência preparada em silêncio ao longo dos anos nas encostas ou nos sopés dos morros.
A persistência dessas mazelas não desenha o futuro que muitos antecipam ao projetar um desempenho brilhante da economia. Esse futuro é, sim, possível, mas a nossa experiência histórica comprova que o sucesso econômico está longe de assegurar padrões de convivência civilizados, dignos da cidadania.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 67, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
A persistência dessas mazelas não desenha o futuro que muitos antecipam ao projetar um desempenho brilhante da economia. Esse futuro é, sim, possível, mas a nossa experiência histórica comprova que o sucesso econômico está longe de assegurar padrões de convivência civilizados, dignos da cidadania.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 67, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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