Com um olho no mensalão e outro na eleição, além de não
perder de vista a sucessão a que se aplica com dedicação exclusiva, Lula finge
dormir de olhos abertos enquanto o julgamento dos mensaleiros segue seu curso pesado,
à margem do rio poluído pelo despejo.
A algazarra das eleições municipais não consegue ofuscar
completamente as manobras preliminares da
sucessão presidencial à espera de melhor oportunidade. Mandato alheio parece
durar o dobro.Luila que o diga. Enquanto isso, a expectativa geral faz plantão à
espera de resultados saneadores dos costumes. Só depois da eleição municipal o
horizonte presidencial estará à disposição dos interessados.
Até lá, tudo não passa de hipóteses por ser ainda cedo para envolver
os diretamente interessados em não deixar o assunto morrer. Ela e ele, a
presidente e o ex, não fazem cerimônia e,
por aí, ele tem dito cobras e lagartos. Mas se engasga nas concordâncias políticas e gramaticais
indigestas. Não mudou. Tudo que diz é de caso pensado, estava na ponta da
língua, antes ou depois do mensalão. Sem fazer cerimônia e por absoluta falta
de convicção.
Os atores da sucessão estão por aí mesmo, têm nome e sobrenome,
mas por enquanto não passam de candidatos a candidato. É certo que, de saída, duas
figuras vão colidir e deixar conseqüências fatais a um deles. Pode-se dizer que
será inevitável o pior para um dos dois. A presidente Dilma e o ex (Lula) têm contas
a acertar. Trocam gentilezas num jogo de cartas marcadas. De vez em quando, um
e outro esbarram em divergências, mas a amabilidade
ainda prevalece. Impossível saber quando, mas é inevitável o desfecho como
ponto de partida da uma prova de campo, da qual apenas um nome ficará em cena para
viver a história. A versão final caberá a quem sobreviver politicamente..
No caso específico da situação em que se encontram (ainda
falta se desencontrarem), a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva fazem de conta que não existe o problema a ser resolvido. As
possibilidades vão se reduzir daqui por diante, sem que seja previsível quando as
inconveniências sairão do caminho. Daí por diante, será para valer. Por
enquanto, ambos correm por fora das hipóteses aplicáveis à ociosidade política propriamente
dita.
Está no inconsciente coletivo que a presidente e o
ex-presidente são candidatos. O espaço social está preparado para a safra
eleitoral que pode ser a última capaz de viabilizar uma social democracia
que não precisa dizer. Basta ser. Faltou convicção para o que se deveria
entender como social-democracia e não apenas rótulo entre trinta legendas vazias.
Oposição que se volatiliza em
delicadezas, nos modos e nas palavras, não
convence no país que vem de uma
seqüência de ditaduras separadas por
vinte anos de liberdades e ilusões correlatas.Não foi saudável nem deu
bom resultado a aposta em parlamentares que ficaram de cabeça baixa em troca dos
mandatos que, entre o AI.5 e o fim daquela história, não podiam ser exercidos.
A representação calada (mas remunerada) falava
pela ociosidade política que não lhe pedia mais do que fazer de conta.
Enquanto a hipótese Lula se mantém nas proximidades da
presidente, para cortar a tempo manobras perigosas para o terceiro mandato, o
vice (em caráter pessoal) da presidente ganha tempo e adia o momento de assumir a candidatura e se apresentar. Para ele, quanto mais tarde,
melhor. Para ela é o contrário.
Para a presidente Dilma, sem segunda intenção, não perder de
vista a oportunidade (e o direito ao segundo mandato) não a desobriga de ser
afável com a hipótese de que seu
antecessor atravesse seu caminho. É aí que se localiza o ponto vulnerável do
seu programa. Já a candidatura de Lula
está implícita no silêncio do próprio, e o deixa à vontade para retribuir,
levemente constrangido, com silêncio e sorrisos.
A diferença de situação que separa Lula e Dilma não se
limita a variantes eleitorais. As candidaturas são excludentes: um ou outra.
Ele é candidato nato e passou a vida à espera de oportunidades que criaram a
pororoca dos mandatos que, não podendo ser sucessivos, o obrigam a operar nos
intervalos entre um e outro. A consagração da presidente nas pesquisas de
opinião pública acentuam diferenças que não são do agrado do antecessor e a
obrigam a ser mais cuidadosa do que convém ao exercício do mandato
presidencial. Situações que pedem atenção o tempo todo são mais subjetivas do
que parecem, e sempre exigem – mas só se percebe depois - atenção
especial a uma vulnerabilidade que atrai o imprevisível. É só esperar.
Fonte: Jornal do Brasil
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