Nesta semana, foi divulgado o relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, que detalha os estudos mundiais sobre o clima nas especificidades do nosso país e seus variados biomas. Ressalta, à primeira vista, a qualidade da ciência que produzimos e a contribuição de nossos cientistas à visão do futuro e às decisões estratégicas que a nação brasileira precisa tomar.
Essa contribuição é desprezada pelo sistema político, cujo ceticismo interesseiro esconde o prejuízo futuro sob o lucro imediato. Diante de uma previsão como a de "aumento de 6 graus na temperatura até 2070, com queda na produção agrícola", há quem ache 2070 muito longe, que espere alguma solução mágica ou até que desconfie de uma conspiração estrangeira no estudo.
É interessante ver alguns políticos fazendo cálculos eleitorais para 2022, mas incapazes de ver as perdas econômicas na agricultura, causadas por geadas e secas, de R$ 7 bilhões anuais até 2020. Ainda nos próximos sete anos, o plantio de soja pode perder 20% de produtividade. Se esse prazo curto, no horizonte político mais estreito, não sensibiliza quem governa o país, pouco adianta alertar que, até 2050, a área plantada de arroz pode retroceder 7,5%, a de milho, 16%, e a geração de energia ser ameaçada pela redução de até 20% na vazão dos rios.
Os alertas não são recentes. Em 2006, quando estava no Ministério do Meio Ambiente, publicamos o relatório "Mudanças Climáticas Globais", que já apontava o agravamento da seca no Nordeste e das inundações no Sul. A Embrapa e a Unicamp publicaram, em 2008, o relatório "Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil", com cenários críticos para as principais culturas. Sabíamos que os avisos da ciência não podiam ser ignorados e promovemos as ações de redução das emissões de CO que estavam ao nosso alcance. Mobilizamos o governo e a sociedade para reduzir o desmatamento da Amazônia em quase 80%.
Agora, os cientistas dizem que o Brasil cumpriu as metas de redução das emissões apenas com o controle do desmatamento, mas alertam que isso não basta: neste ano, o desmatamento na Amazônia pode subir 35%.
Isso ocorre porque a pauta do governo e de setores atrasados do agronegócio fixou-se em desmontar a legislação ambiental e anistiar quem desmatou, como se as florestas e rios atravancassem o país e a agricultura. Agora, voltam-se contra os índios e suas terras, para reduzi-las e abri-las à exploração mineral e agropecuária.
A agenda estratégica do Brasil é outra. Ela é voltada para um futuro sustentável, pois apoia-se no trabalho dos cientistas, nos sonhos dos jovens, homens e mulheres de boa vontade, dialogando com a geração que viverá o ano de 2070, que, afinal, está logo ali.
Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Fonte: Folha de S. Paulo
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