- Valor Econômico
Transição singular: presidente não fica e equipe não sai
Três forças conduzem o deputado carioca Rodrigo Maia, filiado ao DEM, à Presidência do Brasil: o apoio de parlamentares de distintas colorações, a aposta do empresariado em sua capacidade de defender as reformas e restabelecer prioridades no Congresso e o efeito riqueza que a inflação de 3% em 12 meses até junho - piso da meta vigente no país - devolve à classe média.
Nesse período, o Ibovespa rendeu 18,5% acima da inflação, as aplicações em renda fixa mais de 13%, a caderneta 4,7% e o dólar, na lanterna, 0,2%. Também em 12 meses até junho o montante de dinheiro aplicado cresceu cerca de 6% em termos reais. As cadernetas ainda registraram mais saques que novos depósitos em R$ 10,4 bilhões no período - resultado excelente se comparado aos saques que ultrapassaram R$ 57 bilhões em 12 meses imediatamente anteriores. A Caixa, que abre 2.015 agências mais cedo nesta segunda para resgate de contas inativas do FGTS, nos últimos cinco meses, entregou a 22 milhões de trabalhadores R$ 38,2 bilhões.
Nada disso, porém, favoreceu a popularidade do presidente Michel Temer ou impediu que se desenhasse, na última semana, uma transição para o comando do país. A imagem de Temer, duramente abalada com a denúncia por corrupção passiva feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), está sujeita um desgaste talvez irreparável se a Câmara autorizar que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue o presidente. Essa autorização depende da aprovação do pedido da PGR na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) cujo processo tem início hoje seguida da aprovação no Plenário.
Entre sexta-feira e domingo, a coluna conversou com cinco especialistas em economia, finanças e relações institucionais - três da área privada e dois do serviço público, que falaram sob anonimato. Nenhum deles vê condições de o presidente Temer permanecer no cargo, seja acolhida ou rejeitada pelos deputados a denúncia apresentada pela Procuradoria.
Os especialistas descrevem uma delicada e incomum transição em curso no Brasil, em que o presidente da República não tem condições para continuar e sua equipe econômica não tem condições de deixar o governo. "A agenda a ser cumprida está aí e todo mundo sabe qual é", diz um dos entrevistados, para quem Rodrigo Maia é o sucessor natural de Temer - presidente da Câmara é o primeiro na linha de sucessão presidencial -, embora considerado, por esse interlocutor, politicamente menos capaz que Temer para negociar com seus pares no Congresso.
"Rodrigo Maia é o Michel Temer que ainda não está publicamente enrolado, mas pode vir a estar", explica outro entrevistado que reconhece, porém, ter Maia a seu favor ser visto como "um político novo, que começa sua carreira, e a quem a sociedade não tem como julgar". O momento em que seu nome surge como opção para governar também é favorável ao deputado. "O Congresso está convencido de que a Reforma da Previdência é imprescindível. Rodrigo Maia toma o bonde andando. Não é exagero dizer que Temer já fez o trabalho sujo. Convenceu ou ao menos negociou condições que devem favorecer a aprovação das reformas."
Para outro profissional não há dúvida de que Maia oferece mais possibilidades de avanço ao país do que Temer. "O presidente deverá usar todo o seu capital político para se defender de denúncias. Maia não está nessa situação e deverá manter a atual equipe econômica porque precisará de gente competente para tocar o dia a dia que continuará dando trabalho, mesmo se aprovada a idade mínima para as aposentadorias".
Assim que aprovado o projeto, ainda que em sua versão minimalista, estender de imediato a reforma aos militares terá um efeito importante a se reverter em combustível para empurrar o Brasil até as eleições presidenciais de 2018. E caberá ao presidente que emergir das urnas a responsabilidade de ampliar a reforma previdenciária, inclusive, se desejar governar por oito anos. Sem essa reforma, o próximo presidente dura quatro anos no cargo - tempo estimado até a implosão das contas públicas por impossibilidade de pagar os aposentados.
A pressão temporal e financeira que deve recair sobre o presidente em 2019 é inédita. Não foi experimentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou pela ex-presidente Dilma Rousseff. Nos governos petistas, a Previdência não estava no limiar do esgotamento. Agora está.
Contudo, até outubro de 2018 tem chão e condições internacionais a aproveitar. "O cenário externo não é configurado por um conjunto de bancos centrais que assume um discurso mais conservador do que o mercado esperava. Não há constrangimento para o Brasil. E devemos lembrar também que esses mesmos bancos centrais ameaçaram com aperto monetário no passado recente sem que a ameaça fosse realizada", avalia Tony Volpon, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e agora economista-chefe do UBS no Brasil.
Eventual transição para um governo Rodrigo Maia teria, internamente, as seguintes vantagens, enumera Sérgio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC e agora sócio e gestor da Flag Asset Management: "Redução da turbulência política, o que ajudaria na retomada da atividade e na queda do prêmio de risco dos ativos domésticos; alguma chance de aprovação de algo proposto para a Previdência, pois a base de Temer se enfraquece a cada dia; e menor chance de medidas populistas."
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, entende que não seria simples a conformação do poder com Rodrigo Maia na presidência, mas lembra não existir "prioridade maior que manter a economia funcionando ainda que minimamente". A classe política está totalmente desacreditada na sua opinião. "Para viabilizar uma agenda mínima será necessário uma costura política e a equipe econômica dá credibilidade no exterior. É conhecida e já acumulou vitórias em 12 meses. Temos um ano e meio de transição e o mais importante é manter a solidez da direção da política econômica. Há chance de termos um bom governo e podemos ingressar em novo ciclo de crescimento sustentável. É necessário manter a rota até que se saiba quem será o presidente em 2019", diz Tingas.
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