quarta-feira, 3 de abril de 2024

Bernardo Mello Franco – O passado é teimoso

O Globo

O Supremo Tribunal Federal adverte: a Constituição não autoriza militar a dar golpe de Estado.

A Corte formou maioria para dizer o óbvio. As Forças Armadas não podem romper a legalidade a pretexto de defender a ordem ou arbitrar disputas entre os Poderes.

A discussão parece bizantina. E é. Mesmo assim, foi levantada por uma leitura distorcida do artigo 142. O texto tem sido usado, nos últimos anos, para defender um golpe camuflado de “intervenção militar”.

O ministro Luís Roberto Barroso definiu a tese como “terraplanismo constitucional”. “Em nenhuma hipótese, a Constituição submete o poder civil ao poder militar”, escreveu, em decisão de 2020.

Sete ministros já votaram no julgamento em curso. Todos rechaçaram a tentativa de espremer a Carta para arrancar o que ela não diz. Nem André Mendonça, nomeado por Jair Bolsonaro, ousou endossar o golpismo.

“A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição”, resumiu o ministro Gilmar Mendes. Ele alertou que a distorção do artigo 142 não surgiu no vácuo. É parte de uma ofensiva das cúpulas militares em busca de protagonismo político.

O ministro Flávio Dino definiu o debate como eco de um “passado que teima em não passar”. Acrescentou que soaria “exótico” em qualquer país democrático. “Não existe, no nosso regime constitucional, um ‘poder militar’. O poder é apenas civil”, anotou.

Ele sugeriu que a decisão da Corte seja enviada a quartéis e academias militares para “expungir desinformações”. É pouco. A mensagem também deveria chegar às escolas, às igrejas e aos bolsões de extrema direita que ainda sonham com uma quartelada.

O Supremo tinha meios para isso, mas preferiu julgar a ação no plenário virtual, longe dos olhos do público e das câmeras da TV Justiça.

Segundo integrantes da Corte, o objetivo foi evitar atrito com as Forças Armadas. Na prática, reduziu-se a visibilidade do julgamento que poderia sepultar, enfim, a farsa de um “poder moderador” na caserna.

Ao se submeter a esse tipo de cálculo, que já havia levado o presidente Lula a proibir atos sobre o golpe de 1964, o Supremo mostra que a tutela militar continua presente. É parte do passado que teima em não passar.

 

Um comentário: