sexta-feira, 12 de julho de 2013

Perigosas gambiarras - Denise Rothenburg

Um amigo muito antenado em política sugere substituir medidas provisórias, as MPs, por MZ ou MB, de "muita zona" ou "muita bagunça". A sugestão vem a calhar. Não é de hoje que cresce o número de assuntos variados dentro de uma mesma medida. E, agora, os líderes do governo vêm com um dispositivo pior: colocar dentro de uma MP que ainda "respira" temas daquelas que estão sob risco de perder a validade. Ou seja, a zorra legal está instalada.

Esta semana, por exemplo, o relator da Medida Provisória 612, deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), comentava que sua MP estava "ferida de morte" e que o governo já havia lhe informado que a parte relativa a desonerações de folha de pagamentos de vários setores seria "transferida" para a Medida Provisória 610, que tratava inicialmente do auxílio emergencial a famílias afetadas pela seca.

A MP 610 chegou ao Congresso enxuta, com 11 artigos. Trazia a "garantia-safra" para agricultores familiares de municípios situados na região da Sudene que porventura tivessem perdido em média 50% da produção por causa da estiagem. Ela terminou aprovada ontem com um texto de fazer inveja a verdadeiros tratados. São 39 páginas e quase 50 artigos, contendo uma parafernália de incisos e parágrafos.

O volume maior está relacionado em parte com a transferência dos artigos de outras MPs, com a 601, que perdeu a validade. No caso da 612, o problema é que a transferência para a 610 não "carregou" as emendas apresentadas ao texto que Kaefer está relatando. Assim, os enxertos de uma MP em outra dificilmente podem ter o mérito modificado em plenário, porque não há emendas capazes de modificar essas partes novas apresentadas diretamente à MP receptora.

Vale-tudo

Esses enxertos e a vontade dos políticos de agradar a tudo e a todos nessa temporada de manifestações transformam muitos projetos de lei de conversão — nome pomposo que os congressistas dão aos textos das medidas provisórias modificadas — num "feirão". O da 610 é apenas mais um exemplo. Ali, entraram artigos que torna hereditária a permissão de táxis e subsídio de R$ 0,40 para empresas de etanol da região norte fluminense, por litro desse bem produzido e comercializado nas safras de 2011 e 2012.

É tanta gambiarra que será cada vez mais difícil para qualquer juiz brasileiro conseguir decifrar a legislação brasileira sobre determinado tema, uma vez que as medidas provisórias e os chamados projetos de lei de conversão modificam, a cada dia, grande parte do arcabouço legal do país. Localizar um artigo sobre determinado tema numa saraivada de projetos torna-se loucura. É o caso, por exemplo, desse subsídio do etanol a empresas do Rio de Janeiro incluído num projeto que trata de seca do Nordeste, desonera a folha de pagamento de empresas de vários setores e, para completar, ainda torna hereditária a permissão de táxis.

Conforme comentava há dois dias uma jornalista experiente dentro do comitê de imprensa do Senado, "se eu continuar lendo o projeto de conversão dessa MP 610 tenho certeza que vou encontrar um artigo dizendo que fica instituída a vacinação gratuita do meu cachorro". Se brincar, era só mesmo o que faltava.

Enquanto isso, no Planalto...

O governo, a partir de hoje, terá que mudar a estratégia de usar os vetos como recurso para salvar projetos cujas negociações naufragam, ou seja, a maioria. Agora, com 30 dias de prazo para apreciação, sob pena de trancar a pauta, é chegada a hora de negociar tudo à exaustão e, quando razoável, ceder — coisa que o governo Dilma Rousseff raramente faz quando se trata de projetos de lei em tramitação na Casa. Diante disso, cresce, a cada dia, os rumores de mudança geral na área política do governo, em especial, para lidar com a Câmara, onde a confusão hoje está maior do que no Senado. Não será surpresa se, no próximo semestre, o atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo, voltar para o posto que já ocupou no governo Lula.

E no gabinete presidencial...

Dilma, entretanto, parece não ter pressa. Nem se apresenta tão desesperada quanto querem fazer crer os congressistas. Ontem, por exemplo, muito bem humorada e ainda brincando com assessores, ela gravou com exclusividade para a Rede Vida, emissora oficial da Jornada Mundial da Juventude, uma mensagem de acolhida ao papa Francisco e aos jovens que, na semana que vem, estarão no Rio de Janeiro para o evento. Talvez estejam chegando os tempos de "Dilminha paz e amor". Resta saber se a base aliada permitirá que a presidente mantenha esse humor em alta. Até aqui, tudo indica que o clima das excelências é outro.

Fonte: Correio Braziliense

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