• Inédito: a cinco meses da eleição, um partido vacila em carregar a sua candidata, que lidera as pesquisas. Se ela perder, Lula deve voltar no seu melhor papel, o de líder da oposição
- O Globo
Atônito, o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, viu alguém sair da plateia e depositar um rolo de papel higiênico à sua frente. Foi xingado das mais variadas formas, na noite de segunda-feira (28/4) da semana passada, apenas porque representava o governo em um debate com jovens ativistas cariocas.
Ele deixou a sede do Sindicato dos Bancários, antigo bunker do Partido dos Trabalhadores no Rio, sob vaias e depois de uma frustrada tentativa de diálogo. Sentiu na pele o “problema de imagem” que tem atormentado a cúpula petista, incluído o ex-presidente Lula.
Carvalho não sabia, mas àquela altura vivia-se um desconforto no Palácio do Planalto, a 1.500 quilômetros de distância. Tudo porque o líder de um partido aliado, o PR, posou para fotografias trocando o retrato da presidente Dilma Rousseff pelo de Lula, com faixa presidencial, na parede do seu gabinete no Congresso.
Quatro dias depois, na sexta-feira (2/5), Dilma foi a São Paulo para o cerimonial de sagração de sua candidatura à reeleição. Em reunião com 800 delegados do PT foi recebida com manifestações de “Volta Lula”.
No dia seguinte, sábado (3/5), viajou a Uberaba (MG) e enfrentou coro similar entoado por uma plateia diferente, a dos empresários da agroindústria.
A novidade na praça é o visível isolamento da presidente em plena campanha de reeleição. E o mais insólito é o fato de que a desconstrução da candidata do PT começou no próprio partido — dentro da ala majoritária petista que emerge dessa empreitada unida ao conservadorismo religioso e ao empresariado devoto do capitalismo de laços com os cofres públicos.
O Partido dos Trabalhadores organizou a máquina eleitoral mais eficiente do país. Já ganhou três das seis eleições presidenciais diretas realizadas desde a ditadura e está no poder há 12 anos. No entanto, se mostra vacilante em carregar a sua candidata, a gerente da herança da era Lula, que transita pelas pesquisas com média de preferência eleitoral muito superior à que possuía a cinco meses da eleição de 2010. Isso é absolutamente incomum.
“Não vai ser moleza”, disse Lula na sexta-feira ao anunciar Dilma como alternativa eleitoral do PT neste ano. Ele sabe, como poucos, que não há dia fácil numa disputa presidencial — foi candidato durante 17 anos seguidos, de 1989 a 2006. Por isso mesmo, é notável a complacência com que, nos últimos dez meses, assistiu à passagem da procissão de petistas e aliados em conspirações para golpear a candidatura presidencial à reeleição.
Se vencer, Dilma estará na inédita posição de ter sido reeleita apesar de boa parte do PT e dos aliados. Como toda vitória ajuda a curar feridas de campanha, talvez atravesse o segundo mandato empenhada em reconstruir a própria base no PT e adjacências — a alternativa será arrastar correntes no palácio até o último dia de 2018.
Se perder, Dilma vai para uma posição singular na história recente: a de presidente-candidata abatida pelo próprio partido e aliados em pleno voo, mesmo tendo liderado as pesquisas durante a maior parte da campanha.
Então, Lula deverá voltar no seu melhor papel de sempre, o de líder da oposição.
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