O despudor de Eduardo Cunha só é comparável à maneira abusiva com que usa o poder que a Presidência da Câmara dos Deputados lhe confere, na tentativa de livrar-se das sólidas acusações de que é alvo, especialmente a de falta de decoro parlamentar por ter mentido perante a CPI da Petrobrás, quando negou a evidência de que mantém contas bancárias no exterior. Diante do anúncio feito na segunda-feira pelo relator do processo a que responde perante o Conselho de Ética da Câmara, de que já tinha dado parecer favorável ao prosseguimento da ação, Cunha deixou a cargo de seus advogados sustentar o insustentável argumento de que a atitude do relator “representa o cerceamento do direito de defesa”. O argumento – como quase tudo nesse caso – insulta a inteligência de qualquer pessoa que se informe sobre o caso. Baseia-se exclusivamente na suposição marota de que, na falta de outro recurso, o ataque é a melhor defesa. Não é por outra razão que Cunha preferiu transferir para seus advogados o encargo desse papel ridículo.
O relatório preliminar do deputado Fausto Pinato (PRB-SP) limita-se a considerar “apta” a denúncia contra Cunha e a admitir, portanto, o prosseguimento do processo no Conselho de Ética. O relator tomou a precaução de não adiantar nenhum juízo de valor sobre o objeto da investigação. Diante disso, o presidente do Conselho, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), contestou a alegação dos advogados de Cunha explicando que na manifestação preliminar do relator “não tem acusação, então não cabe defesa”. E se não cabe defesa, como esta pode ter sido cerceada?
Esperava-se que Pinato apresentasse seu relatório preliminar apenas amanhã, quinta-feira. A antecipação para segunda-feira – decidida pelo relator em comum acordo com o presidente do Conselho – teve o objetivo de compensar a dilatação dos prazos de tramitação do processo, recurso que os aliados de Cunha já anunciaram que utilizarão fartamente. Tudo considerado, a expectativa é de que, sendo finalmente recomendada pelo Conselho de Ética, a cassação do mandato de Cunha será submetida a voto aberto no plenário da Câmara, na melhor das hipóteses, em abril do próximo ano.
Nos círculos políticos de Brasília é praticamente unânime a convicção de que dificilmente Eduardo Cunha ficará impune neste caso – está envolvido ainda em outras investigações de corrupção –, dada a fragilidade dos argumentos com que pretende contestar a evidência de que mantém contas no exterior. Mesmo que possa alegar que não é o “titular” dos trustes administrados por agências de investimento, ele e sua família são inegavelmente – nem ele próprio o nega – os beneficiários das contas. Assim, considerando a tendência extremamente desfavorável aos políticos que reina no País neste momento de profunda crise, é de imaginar que os parlamentares, seja no âmbito do Conselho de Ética, seja posteriormente no plenário da Câmara, não se exporão ao desgaste de absolver Eduardo Cunha, até porque 2016 é ano eleitoral – e a opinião pública já formou juízo sobre as bandalheiras que envolveram esse caso.
A alternativa que se aponta naqueles círculos é uma negociação in extremis, por meio da qual Eduardo Cunha barganhe a manutenção de seu mandato parlamentar pela renúncia à Presidência da Câmara. Foi o que Renan Calheiros fez quando presidia o Senado em 2007 e foi pilhado num escândalo de corrupção. Isso não o impediu de retornar ao comando do Senado. Para variar, Renan também está sendo investigado no caso do petrolão.
Enquanto isso, Eduardo Cunha se defende como pode, garantindo o apoio encabulado da bancada petista e de outros aliados do governo com a manipulação da pauta de votação das matérias de interesse do Planalto e, principalmente, dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na mesma segunda-feira em que se irritou com a atitude do relator de seu processo no Conselho de Ética, Cunha anunciou ter indeferido mais quatro pedidos de impeachment por falta de pré-requisitos técnicos e jurídicos. Mas ainda tem um bom estoque dessas poderosas armas para neutralizar qualquer gesto de hostilidade do Planalto.
Há quem tenha pena de um país que precisa de heróis. O que se dirá de um país cujos próceres protagonizam aviltantes inquéritos policiais e processos criminais?
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