Por Andrea Jubé, Bruno Peres, Raymundo Costa e André Guilherme Vieira | Valor Econômico
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente Michel Temer classificou como "ilação" e "peça de ficção" a denúncia em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o acusa de corrupção passiva perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Em pronunciamento no Palácio do Planalto, Temer não respondeu a perguntas dos jornalistas nem a nenhuma das acusações que constam da denúncia feita por Janot.
A acusação foi feita a partir de gravações realizadas pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, e de flagrante da Polícia Federal mostrando assessor de Temer recebendo mala com dinheiro de suborno.
Recorrendo a um artifício shakespeariano, Temer deixou no ar a acusação de que Janot teria se locupletado com recursos da JBS. O presidente disse que o ex-braço direito de Janot, Marcelo Miller, deixou a Procuradoria e, sem cumprir quarentena, foi trabalhar para a JBS, onde teria assessorado Joesley na delação que serviu de base para a denúncia contra o presidente. "Miller ganhou milhões", afirmou Temer.
O Valor apurou que o ex-procurador, após deixar a PGR em março, não cumpriu quarentena porque isso não é exigido dos procuradores. Ele assumiu posto no escritório Trench Rossi Watanabe, mas nunca trabalhou em casos relacionados à JBS, cliente dessa firma. Segundo a PGR, Miller tampouco atuou no caso JBS enquanto trabalhou como procurador.
O alvo do forte discurso de Temer foram os 513 deputados que vão decidir se ele será ou não ser processado no STF. Acuado pela denúncia de Janot, o presidente tentou demonstrar autoridade e coragem. No governo, a leitura é a de que Janot amparou a acusação apenas nas delações, muito embora o procurador tenha recorrido, além das gravações, ao flagrante da mala de dinheiro.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conhecido por confirmar e até agravar decisões do juiz Sérgio Moro, absolveu ontem o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado em Curitiba com base em delações premiadas.
Temer insinua que Janot foi beneficiado com delação da JBS
O presidente Michel Temer partiu ontem para o ataque ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que o denunciou pelo crime de corrupção passiva, em conluio com o ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Temer limitou-se a responder de maneira genérica ao mérito das acusações que constam da denúncia e fez um discurso dirigido principalmente aos deputados que votarão pelo prosseguimento da ação criminal ou pelo seu arquivamento.
Sem brecha para perguntas de jornalistas, Temer classificou a denúncia como uma "ilação" e "peça de ficção". Para mostrar que não estaria isolado, cercou-se de um grupo de ministros e mais de 80 deputados, dispostos a barrar o avanço do processo penal no Supremo Tribunal Federal (STF).
No trecho mais grave de sua declaração, Temer insinuou que o procurador-geral se beneficiou de "milhões de reais" em honorários que teriam sido recebidos pelo ex-procurador Marcelo Miller, que integrou a equipe de Janot, mas deixou o Ministério Público Federal para advogar no escritório Trench, Rossi & Watanabe, que chegou a representar a JBS.
"Talvez pelas novas leis da ilação, criada pela denúncia, poderíamos, talvez, concluir que os milhões não fossem unicamente para o assessor de confiança [Marcelo Miller] que deixou o cargo de procurador da República. E volto a dizer que não denuncio sem provas", provocou. Temer refere-se a Miller como "homem da mais estrita confiança do senhor procurador-geral", que não teria cumprido exigência de quarentena, segundo o presidente. O Valor apurou que esta exigência não existe. Miller, após deixar a PGR, em março, assumiu posto no escritório Trench, Rossi & Watanabe, mas nunca trabalhou em casos relacionados à JBS, então cliente da firma. Segundo a PGR, Miller tampouco atuou no caso JBS enquanto procurador.
Aliados de Temer que presenciaram a resposta ao procurador Rodrigo Janot disseram ao Valor que a acusação ao presidente é, na verdade, "dirigida à classe política". Um líder de bancada da base aliada afirmou que a denúncia será arquivada porque "o Ministério Público não pode assumir o controle do Legislativo". Segundo este líder, Temer terá em torno de 260 votos - são necessários 172 para barrar a denúncia.
No pronunciamento de ontem, ensaiado com o marqueteiro presidencial, Temer não se aprofundou na defesa do mérito das acusações expostas na denúncia e dedicou a maior parte de sua manifestação a tentar desconstruir a imagem de Janot.
Até então, Temer dedicava-se a reiterar as acusações de que seus delatores, os irmãos Joesley e Wesley Batista, agiram como tal para se livrar dos ilícitos praticados no Brasil. "Exatamente quem deveria estar na cadeia, está solto para voar a Nova York ou Pequim, ainda voltar para cá e criar uma nova história", reforçou.
Na denúncia, Janot sustenta que Temer é o destinatário final da propina de R$ 500 mil que estava na mala transportada pelo deputado afastado Rocha Loures, flagrado em ação controlada policial. Ainda segundo a denúncia, esse valor chegaria a R$ 38 milhões em nove meses. Em troca, Loures deveria solucionar demanda de interesse da JBS no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Temer não rebateu estas acusações, mas afirmou que não estão embasadas. "Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem. Reinventaram o Código Penal e incluíram uma nova categoria, a denúncia por ilação", provocou.
Ao concluir sua fala, Temer ressaltou que tem disposição para lutar pela sua inocência e permanência no cargo para avançar com as reformas do Estado.
Em nota, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, afirma que Janot diz de maneira leviana que Temer recebeu dinheiro de propina. "É uma afirmação lançada ao léu sem base em fatos, provas, objetividade". E acrescenta que "não é crime" o presidente receber, "corriqueiramente, várias autoridades do cenário jurídico e político do país em horário além do expediente e sem estarem previstos na pauta do dia", referindo-se ao encontro noturno no Palácio do Jaburu com Joesley Batista, em que o empresário relatou ao próprio presidente, de acordo com a gravação feita pelo delator, que entrou sem se registrar, usando o nome 'Rodrigo', procedimento expressamente aprovado por Temer.
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