A divergência da presidente Dilma com o antecessor e padrinho político Lula em torno da relatoria da CPMI – superada pela escolha para o cargo do nome proposto pelo Palácio do Planalto, o petista mineiro Odair Cunha, em detrimento do paulista Cândido Vacarezza, da confiança pessoal de Lula e do verdadeiro líder da corrente majoritária do PT, José Dirceu – constituiu não um contraponto entre uma investigação parlamentar ampla e outra restrita, seletiva, mas tão só sobre a qual polo, o governo ou o projeto eleitoral do PT, uma apuração deste segundo caráter, buscada por ambos, deveria servir prioritariamente. E o presidente da Câmara, o também petista Marco Maia, mais próximo de Dilma, tratou de minimizar ainda mais aquela divergência logo após a escolha do relator ao bloquear a formação de subrelatorias da Comissão, com o propósito de evitar que, em parte dirigidas por oposicionistas, elas pudessem evidenciar a dimensão mais ampla, federal, dos negócios de Carlinhos Cachoeira e seus parceiros.
Para a presidente, o bloqueio a uma apuração desse tipo teve a justificativa da defesa da governabilidade, politicamente sustentável e facilitada por seus ótimos índices de popularidade. Justificativa que ela reforça com uma agenda de sucessivos anúncios de atos e intenções do Executivo, ligados a programas sociais e à economia (como o ataque aos juros dos bancos privados, agora politizado ou “eleitoralizado”) a fim de reduzir o foco da imprensa na CPI e para aparentar à opinião pública distanciamento em relação a ela. Ao mesmo tempo em que a usa em seu marketing ético manifestando-se a favor da investigação e proclamando que ela deve ser completa, “doa a quem doer”.
Já para o outro polo, o de Lula, o controle da CPMI, com sua restrição a alvos oposicionistas, poderá possibilitar-lhe um esvaziamento do processo do mensalão. Que se converteu em objetivo tático básico do lulopetismo (na medida em que está tornando- se inviável empurrá-lo para 2013) neste ano de eleições municipais, importantes em si mesmas e como etapa preparatória do embate presidencial de 2014. Esvaziamento, ou banalização dos crimes (atribuídos pela Procuradoria Geral da República a uma “quadrilha”) como “caixa 2 praticada habitualmente por todos os partidos”, nas palavras do presidente da República já em 2005, amiúde reiteradas de lá para cá. E esvaziamento para o qual ele espera contar com outro e especial mecanismo de controle da CPMI: a seletividade, bem dosada, dos depoimentos a serem dados pelo protagonista Carlos Cachoeira. Que tem como principal advogado o formulador da tese da referida banalização, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Num contexto em que alguns analistas têm especulado sobre possível oferta a esse protagonista da redução de penas em troca de tal seletividade.
Ao fim do recesso político do feriadão do 1º de maio, o que se pode prever é que toda a movimentação dos dois polos empenhados no controle e na conveniente seletividade da CPMI recém-instalada terá como obstáculos reais, de difícil transposição, a imprensa e a opinião pública. Pois só a ampla cobertura e o aprofundamento pela mídia dos fatos apurados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público sobre o conjunto do escândalo protagonizado por Cachoeira, bem como o forte impacto social deles, poderão compensar na CPMI a fraqueza numérica dos oposicionistas e de parlamentares independentes e dividir a base governista, de modo a garantir resultados sérios das apurações. Resultados que, de fato, doam em que doerem, com a responsabilização de políticos, administradores e empresários ligados a partidos de oposição, aos situacionistas e ao próprio governo federal. E que, ao invés de esvaziarem, deverão reforçar o julgamento – o mais rápido possível, depois de tanta demora – do escândalo maior e mais grave até agora ocorrido no país: o processo de compra pelo Executivo – por meio do pagamento de parcelas mensais a deputados e senadores, além de outros mecanismos de corrupção – do controle político e institucional do Congresso.
Jarbas de Holanda é jornalista
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