Peluso, que vai se aposentar, poderá ser o único a não votar de forma fatiada
Relator Joaquim Barbosa admite que a possibilidade de não haver posição vencedora preocupa devido aos longos impasses registrados em votações anteriores na corte
O julgamento recomeça hoje com a leitura do voto do revisor, Ricardo Lewandowski, sobre o capítulo 3 da denúncia. Barbosa já votou pela condenação de cinco réus. Depois de Lewandowski, Cezar Peluso, que tem de se aposentar até 3 de setembro, deverá antecipar seu voto sobre todos os 37 réus. Ele será o único que não votará de forma fatiada, como fez o relator. "Fica a critério de Peluso" disse o presidente do STF, Ayres Britto. Além de Miriam Belchior, gravaram vídeos para a campanha de João Paulo Cunha (PT), réu do mensalão, os ministros Pepe Vargas e Aldo Rebelo.
Peluso deverá antecipar voto
Barbosa revela temor de que, sem a participação do colega, ocorra empate no processo
Jailton de Carvalho, André de Souza,
BRASÍLIA e RIO O ministro Cezar Peluso deverá antecipar o voto dele sobre todos os 37 réus do mensalão logo depois da exposição do revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski. A expectativa no tribunal é que o voto de Peluso seja dado amanhã ou na primeira sessão da próxima semana, segunda-feira. Por lei, Peluso terá que se aposentar até 3 de setembro, quando completa 70 anos. A antecipação servirá para que ele não tenha de deixar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sem votar até o fim.
Para isso, a ideia de Peluso é apresentar voto integral sobre os 37 réus e não de forma fatiada, como fez o relator, Joaquim Barbosa, conforme confidenciou ao GLOBO um interlocutor do ministro. Peluso só não anteciparia o voto integralmente se a ideia não for bem recebida pelos colegas da Corte. Ontem, o relator Joaquim Barbosa defendeu o direito de Peluso de votar e manifestou preocupação com a possibilidade de ocorrer um empate no julgamento.
Joaquim Barbosa disse que Peluso está mais do que pronto para votar.
- Você tem que pensar o seguinte: o ministro Peluso participou de tudo neste processo. Tudo, desde o início. Presidiu inúmeras sessões em que foram decididas questões cruciais desse processo. Ele está muito habilitado. Enquanto for ministro, ele tem total legitimidade para participar do julgamento - afirmou o relator. - A única preocupação é a possibilidade de dar empate, porque nós já tivemos, num passado muito recente, empates que geraram impasses.
Sobre se a antecipação do voto de Peluso é tecnicamente possível, Barbosa respondeu em tom de brincadeira:
- Eu não vou emitir opinião. Vocês (jornalistas) vão ficar muito assanhados.
"E aí fica um voto, eu diria, capenga"
O relator preferiu repassar o assunto para o presidente do STF, ministro Ayres Britto:
- Tem um dispositivo que fala que ele (Ayres Britto) pode decidir sobre isso.
Mas Ayres Britto, que participava de sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), preferiu não responder:
- Não vou responder a essa pergunta. Tudo depende da interpretação do artigo 135 do regimento interno. Depois a gente vê. Eu não estou vendo isso agora - disse Britto, negando que já tenha conversado com Peluso sobre isso.
À noite, Ayres Britto disse que a decisão sobre a antecipação de voto cabe ao próprio Peluso:
- Fica a critério dele. É bom ouvi-lo.
Já o ministro Marco Aurélio Mello criticou a possibilidade:
- Admitamos que ele (Peluso) vote num primeiro grupo. Ele, evidentemente, não vai poder se pronunciar sobre a dosimetria (dosagem da pena), sobre a qual relator e revisor ainda não se pronunciaram. E aí fica um voto, eu diria, capenga. Condeno, mas sem pena? Não há condenação sem pena. Por isso é que, talvez, tenhamos que evoluir, e a minha tendência seria para completar o julgamento por blocos.
Marco Aurélio disse que surgiria uma perplexidade a partir do cenário da antecipação do voto de Peluso:
- Alguns acusados julgados por um colegiado de 11 integrantes e outros por um colegiado de dez integrantes.
Voto do ministro já está pronto
O voto de Peluso está pronto, tem mais de 400 páginas e não é certo que vá endossar todas as teses embutidas no voto de Barbosa. O ministro tem linha de pensamento própria e deverá fazer do voto uma síntese de boa parte das ideias que desenvolveu ao longo de sua carreira de magistrado. Uma de suas características é não se preocupar com a repercussão política dos votos.
- Se entender que as provas são suficientes, ele vota pela condenação. Se entender que não, vota pela absolvição. O ministro Peluso não inventará nada - disse ontem um frequente interlocutor do ministro.
O voto de Peluso tem sido um dos pontos de tensão no embate entre defesa e acusação desde o início do julgamento. Grupos que defendem a condenação dos réus entendem que o ministro deveria votar antes de se aposentar. Entre os que trabalham para a participação de Peluso estão o procurador-geral Roberto Gurgel e Joaquim Barbosa.
Na outra ponta do processo, os advogados dos réus têm se mobilizado para ganhar tempo, atrasar ao máximo o cronograma e, com isso, deixar Peluso fora do momento decisivo do processo. Alguns entendem que a tendência do ministro é seguir a mesma linha traçada até agora por Barbosa e também votar pela condenação da maioria dos réus. Eles fazem essa interpretação a partir do voto do ministro favorável ao acolhimento da denúncia.
Marco Aurélio disse acreditar que o revisor da ação, Ricardo Lewandowski, que começará a dar seu voto sobre o capítulo 3 da denúncia hoje, só consiga terminar de ler o texto amanhã. Sobre os seus votos, disse que falará de improviso, a partir de tópicos que levará ao plenário.
Ayres Britto também falou sobre o julgamento fatiado, em que a conduta dos réus do mensalão está sendo analisada aos poucos, por grupos. É graças ao fatiamento dos votos que o ministro Peluso poderá, mesmo que não antecipe seu voto, participar do julgamentos dos primeiros réus. Mas, não havendo antecipação, é quase impossível que ele tenha tempo para julgar todos os 37 réus.
- É até melhor (o julgamento fatiado) para o princípio da individualização, para o exame da causa, da eventual pena - afirmou Britto.
É improvável que peluso opine sobre as penas
Na opinião de especialistas da Fundação Getulio Vargas (FGV), mesmo que peça para antecipar seu voto, a participação de Peluso até o fim do processo é praticamente impossível. Ele não terá mesmo a oportunidade de opinar sobre a aplicação das penas dos que forem condenados:
- O relator Joaquim Barbosa gastou dois dias para votar dois itens do processo. Nesse ritmo, a semana acabaria com o voto do revisor Lewandowski. Mesmo que cada ministro leve apenas um dia para votar, é improvável que ele participe - disse Tânia Rangel, professora da FGV.
A preocupação com a participação de Peluso no processo fica ainda maior quando se observa o prazo final para sua aposentadoria:
- Como ele se aposenta no próximo dia 3, a última sessão do ministro Peluso seria na quinta-feira da semana que vem, dia 30. Ou seja, ele participará de cinco sessões sobre o mensalão até se aposentar - lembrou Lucas Albuquerque, professor da FGV: - Mesmo que o ministro peça para votar antes da ministra Rosa Weber é improvável que ele participe da cominação (aplicação) das penas que deverão ser imputadas aos condenados.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entende que não cabem recursos a qualquer decisão dos ministros do Supremo. O procurador falou ao ser questionado sobre recursos dos quais os possíveis condenados no mensalão possam lançar mão. Advogados, como Marthius Lobato, que defende Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do BB, já falam em embargos de declaração e embargos infringentes. Para Gurgel, mesmo que o condenado consiga quatro votos pela absolvição, não há chance de recurso.
- Não cabe recurso. Não são admissíveis recursos contra decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal. Não há previsão regimental. A decisão (dos ministros) será definitiva - disse Roberto Gurgel.
FONTE: O GLOBO
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