sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Cora Rónai - Uma ideia discutível

- O Globo / Segundo Caderno - 12/2/215

Acho inteiramente equivocada essa onda de impeachment. Dilma Rousseff é uma das pessoas mais incompetentes a ocupar a presidência, mas foi eleita pela maioria dos votos válidos. Se os seus eleitores foram incapazes de enxergar além das imagens enganosas da propaganda, se caíram no discurso petista de ódio e de desconstrução dos adversários, se o seu marqueteiro era melhor do que o do Aécio ou o da Marina, se genuinamente acham a "presidenta" a pessoa ideal para o cargo, azar (de fato) o nosso.

Não há nada que não se saiba hoje que já não se soubesse antes.

Sim, Dilma disse uma coisa na campanha e fez outra após a reeleição; mas isso é surpresa? Ela já havia dito, com todas as letras, que em campanha faz-se o diabo; pois fez. Esperavam outra coisa de uma pessoa que falsifica currículo Lattes?

Sim, ela está metida até os cabelos no escândalo da Petrobras, seja por omissão, seja (mais uma vez) por incompetência pura e simples: o tempo dirá. Mas qual é a novidade? Ou seus eleitores maiores de idade, alfabetizados e vacinados não sabiam disso?

É claro que, se estiver ativa e diretamente implicada na roubalheira, a coisa muda de figura; corrupção é crime com o qual não se deve ter contemplação, e aí impeachment é o mínimo que se espera. Mas, até aqui, não existem provas reais do seu envolvimento.
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O impeachment é uma péssima ideia por muitos motivos.
Ao contrário do que pregam os governistas aos quatro cantos, ele não é uma ruptura do tecido democrático; é uma das suas ferramentas essenciais. Ou alguém consegue imaginar um processo de impeachment contra Kim Jong-Un ou Raúl Castro?

Mas o que é que o país tem a ganhar nesse momento com um eventual impeachment? Michel Temer na presidência? Novas eleições, ainda por cima num clima de total instabilidade política? Com a militância petista em grau de histeria máxima e o MST cumprindo a promessa de parar o país, chantagem que já havia sido explicitada quando Marina disparou nas pesquisas?

Para quê?

Ninguém vai conseguir consertar o Brasil de uma hora para outra. A inflação não vai diminuir por passe de mágica, as crises de água e de energia não vão desaparecer, o estado não vai encolher, ou no mínimo se "desaparelhar" do dia para a noite. Tudo isso vai tomar tempo, e a conta vai ser alta para todos nós; mas vai ser alta, sobretudo, para quem quiser sanear o governo.

Se Dilma for defenestrada, seu sucessor, ou sucessora, vai amargar as consequências do que ela plantou, enquanto o PT posará como vítima de golpe em mais um 3 x 4 Photoshopado para a História.

Não haverá melhor cenário para a reeleição de Lula em 2018. Até lá, tudo o que estiver dando errado no país será culpa de quem estiver no lugar de Dilma, a Incompreendida.

Que ela termine o mandato que recebeu dos eleitores, e que a conta metafórica da sua incompetência vá para quem de direito.

A conta real já estamos pagando.

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Gostei muito do que o senador Cristovam Buarque escreveu sobre o assunto no Facebook, na terça-feira:

"Mesmo previsto na Constituição, uma democracia não resiste com impeachment de presidente a cada quatro eleições. Por isso, este não deve ser desejo de democrata brasileiro, três presidentes apenas depois do Collor. Ao contrário, um democrata deve desejar que todo presidente termine o mandato para o qual foi eleito com mais voto que seu adversário. Mas, para isso, o democrata que está no poder deve entender quando surgem movimentos populares de descontentamento. Perceber as razões disto, fazer sua autocrítica, abrir diálogo com todas as forças da nação, construir uma agenda de consenso, reorientar o comportamento ético e programático do governo".
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Enquanto isso, rola nas redes sociais um intenso movimento a favor do impeachment. As pessoas estão convocando amigos, conhecidos e seguidores a ir para as ruas no dia 15 de março, caras pintadas, vestindo verde e amarelo; várias páginas no Facebook reproduzem variações de um mesmo texto, que já recebi também por e-mail e por WhatsApp.

"Nosso protesto é pacifico, não serão permitidas bandeiras e camisas de partidos políticos, e vândalos e black blocs serão detidos e entregues à policia pela própria população" - diz um trecho particularmente otimista: black blocs detidos pela população? Só vendo. "Haverá jovens, adultos e idosos na manifestação. Pedimos que todos vão de verde e amarelo como em 1992, com as cores do Brasil e as caras pintadas. Quem não puder se deslocar até os locais combinados reúna a vizinhança, vá pra calçada de casa de cara pintada, saia do sofá e fique na porta demonstrando sua indignação!"

É bom ver as pessoas mobilizadas. Sou inteiramente a favor de irmos para as ruas protestar; povo na rua manda sempre um recado muito eloquente ao governo, que passa a trabalhar melhor e a tomar mais cuidado com o que faz. Mas acho uma pena que esse chamado tão oportuno esteja vinculado à ideia de impeachment. Não só pelo que escrevi acima, mas também porque suponho que há muitíssimo mais gente simplesmente descontente com o governo do que torcendo por impeachment. 

Para que afastar potenciais manifestantes?

Mas, enfim, tudo isso está no futuro. Por enquanto é carnaval, e multidão só mesmo nos blocos e na Sapucaí.

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