domingo, 12 de junho de 2016

Maculada Conceição - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Testada durante a campanha eleitoral de 2014, a honestidade intelectual de Dilma Rousseff foi reprovada no instante seguinte à sua reeleição. Fez o que acusava os adversários de pretenderem fazer e “monologou” ao invés de, como prometido, dialogar. Isso para reduzir os exemplos ao mínimo e não falar sobre a omissão dolosa da real situação econômica do País.

A mentira é uma forma de desonestidade, embora a reverência à verdade não seja valorizada como o repúdio à improbidade tal como o senso comum a concebe: o roubo flagrante para enriquecimento pessoal. Maneira simplificada, porém incompleta, de avaliar a conduta de agentes públicos.

No julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal aplicou a teoria do domínio dos fatos para condenar José Dirceu. Foi muito criticado sob os argumentos de que o próprio autor (Claus Roxin) haveria criticado a aplicação da tese ao caso e de que a condição de dirigente das ações governamentais não o faria necessariamente dominas os fatos ocorridos no governo. Pois os fatos posteriores viriam a corroborar o entendimento do STF.


Outra teoria importada, desta vez da Suprema Corte dos Estados Unidos, acaba de ser adotada pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba na denúncia, aceita pelo juiz Sérgio Moro, que tornou Cláudia Cruz, mulher do deputado Eduardo Cunha, ré em ação penal por evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

É a doutrina aplicada ao agente da infração que finge desconhecer a origem ilícita de bens com o intuito de obter vantagens. Olha para o outro lado a fim de não se comprometer e deliberadamente ignorar a prática de crime que, pelo óbvio das circunstâncias, é cometido.

A descrição calça como luva à conduta de Dilma Rousseff – seja como presidente, chefe da Casa Civil, ministra das Minas e Energia ou presidente do Conselho de Administração da Petrobrás – na relação com pessoas envolvidas e atos perpetuados direta ou indiretamente sob sua administração. As recentes informações decorrentes de investigações e de delações premiadas derrubam ao chão a certeza firmada na suposição de que Dilma Rousseff pode ter todos os defeitos, mas tem conduta irrepreensível do ponto de vista da probidade. Neste aspecto, praticamente uma senhora imaculada.

Pois, note-se que não é bem assim. A presumivelmente acima de qualquer suspeita personagem está hoje posta em cenário de total suspeição. No mínimo, pelo exercício contumaz da cegueira deliberada. Isso para não tomarmos desde já como verdadeiros os conteúdos de delações que dão conta de seu pleno conhecimento a respeito dos negócios nefastos da Petrobrás – cuja correção foi por ela avalizada desde a descoberta dos ilícitos – e de ordem pessoalmente dada à Odebrecht para engordar o caixa dois da campanha eleitoral.

Devidamente maculada, essa senhora é a última (vá lá, a penúltima) pessoa autorizada a jogar a primeira pedra, a invocar a si como vítima de injustiça. Assim como Cláudia Cruz certamente sabia que a torrente de dinheiro vinha de algum lugar que permitia o dispêndio sem freio – coisa que não acontece com ganhos decorrentes de esforço laboral – Dilma tinha conhecimento de que os gastos exorbitantes de campanha e os sinais exteriores de riqueza de subordinados e companheiros não poderiam ser sustentados apenas por salários e doações diletantes.

Falsiane. Quando promete um plebiscito para decidir sobre a realização de eleições diretas agora, Dilma Rousseff omite e o que diz a Constituição: consultas populares dependem de aprovação do Congresso.

Condição que ela não teve para barrar o impeachment nem terá para aprovar um plebiscito.

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