segunda-feira, 6 de abril de 2020

Sergio Lamucci - O tamanho da crise e o peso do governo

- Valor Econômico

Para evitar perdas ainda maiores e tentar assegurar uma recuperação mais rápida, uma resposta eficiente e firme do governo é necessária

A crise provocada pela pandemia do coronavírus vai levar a uma contração sem precedentes da economia global e da economia brasileira. Por aqui, as projeções para a variação do PIB em 2020 seguem em queda livre, e números na casa de uma retração de 4% a 5% começam a ganhar força entre os analistas. O tombo deve se concentrar no segundo trimestre, a exemplo do que tende a ocorrer na Europa e nos EUA, mas dados preliminares já indicam que março foi um mês muito ruim para a atividade no Brasil, em especial no varejo e nos serviços.

O cenário é delicado e complexo. Para evitar perdas ainda maiores e tentar assegurar uma recuperação mais rápida, uma resposta eficiente e firme do governo é necessária. Uma quarentena rigorosa no período em que a doença se dissemina aceleradamente é a melhor providência em termos de saúde pública - e também do ponto de vista econômico, segundo a maior parte dos analistas. Além disso, é preciso que uma ajuda financeira chegue rapidamente para trabalhadores informais e para pequenas empresas, por meio de transferências de renda e da concessão ágil do crédito.

O governo federal tem ido especialmente mal no primeiro aspecto, deixando a desejar no segundo. Enquanto muitos governadores adotaram medidas rigorosas de confinamento, o presidente Jair Bolsonaro seguidamente prega a reabertura dos negócios. Quanto ao segundo ponto, o auxílio a trabalhadores e empresas demora a se concretizar, embora iniciativas nessa direção tenham sido anunciadas nas últimas semanas.

Além de estar na contramão do que pensa a grande maioria dos especialistas em saúde e próprio o ministro da área, Luiz Henrique Mandetta, a estratégia defendida por Bolsonaro vai na direção oposta do que diz a maior parcela dos economistas. É o que mostra, por exemplo, uma enquete da escola de negócios da Universidade de Chicago com mais de 40 economistas renomados, entre eles vencedores do Nobel como Eric Maskin, William Nordhaus e Richard Thaler.

Dos consultados, 41% afirmaram concordar fortemente com a ideia de que abandonar quarentenas severas, num momento em que a probabilidade de um ressurgimento das infecções permanece alta, causará um dano econômico maior do que sustentar o confinamento para eliminar o risco de que a doença volte a ganhar espaço. Outros 39% disseram concordar com a afirmação, enquanto 14% informaram não ter certeza. Ninguém discordou. Também fazem parte do painel o brasileiro José Alexandre Scheinkman, da Universidade Columbia, Daron Acemoglu, do Massachusetts Institute of Techology (MIT) e o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Maurice Obstfeld.

Em relatório, o economista-chefe global do Bank of America, Ethan Harris, diz que a política mais eficiente é uma quarentena rápida e rigorosa, como fizeram países asiáticos. Medidas ineficazes de confinamento tendem a provocar um choque maior e mais longo sobre a economia, escreve Harris, alertando que o impacto tende a não se restringir ao trimestre em que ocorre a paralisação das atividades, por causa do efeito profundo sobre a confiança.

Uma das dúvidas é como será a retomada após o tombo.

“Além de uma recessão profunda, alertamos que a recuperação deve ser lenta”, avalia a A.C. Pastore & Associados. “Primeiro, porque sem que surjam novos remédios para o tratamento da covid-19, a liberação da quarentena deverá ser lenta, para evitar novas ondas de casos, e os epidemiologistas não descartam a possibilidade de reinfecção”, dizem os economistas da consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Uma volta precipitada da livre movimentação pode levar a um novo confinamento, acreditam eles, observando que, “com a paralisação econômica por algum tempo, empresas podem desaparecer, causando um grande desarranjo na oferta”.

Para A.C. Pastore, o risco é haver “inicialmente um ‘choque de oferta’ que contrai a produção, mas que dispara em seguida um ‘choque de contração da demanda’, acentuando o movimento anterior e provocando um novo ‘choque de oferta seguido de um novo choque de demanda’, e assim por diante”.

Os economistas da consultoria observam que, enquanto muitos Estados decretaram uma quarentena, Bolsonaro assumiu a posição contrária. Na visão da A.C. Pastore, o presidente age assim para tentar atribuir a culpa da recessão aos governadores e, ao fazer isso, “na defesa de seu interesse político pessoal”, tende a gerar “um aprofundamento da recessão que nos espera”, devido ao aumento da incerteza.

Num cenário em que a economia deve sofrer um forte baque, ações do governo para atenuar o impacto negativo da crise são essenciais. Depois de demorar para reconhecer o tamanho do problema, a equipe econômica passou a anunciar medidas para tentar mitigar o golpe que atinge principalmente trabalhadores informais e pequenas empresas.

O Congresso aprovou um benefício emergencial de R$ 600 por três meses para quem está na informalidade, um valor bastante superior aos R$ 200 inicialmente propostos pelo Ministério da Economia, um projeto sancionado na semana passada por Bolsonaro. A expectativa é que o auxílio comece a ser pago nesta semana, o que é fundamental para ajudar trabalhadores que perderam a renda em função da paralisação da atividade econômica.

Também foram anunciadas linhas de crédito para empresas de menor porte, mas empreendedores e líderes do segmento relatam dificuldades para as pequenas companhias terem acesso aos recursos. Se isso não ocorrer, pequenos negócios saudáveis poderão sucumbir, por enfrentarem um período inesperado de queda abrupta de receita.

A economia brasileira terá um 2020 extremamente difícil. O PIB pode recuar 5% ou mais. Com uma quarentena rígida e uma ação firme do governo, é possível atenuar os problemas. A oposição do presidente a medidas rigorosas de confinamento e a demora da equipe econômica em tirar as iniciativas de ajuda do papel, porém, tornam a situação mais delicada.

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