segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil precisa ser realista sobre presidência do G20

O Globo

Embora liderar o bloco traga visibilidade, é difícil haver avanço em toda a agenda defendida por Lula

Brasil acaba de assumir, pelo período de um ano, a presidência rotativa do G20. Trata-se de um espaço especial. O G20 congrega as principais economias do mundo, incluindo países de todos os continentes. Durante o mandato à frente do bloco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer levar três itens para a agenda de discussões: combate à fome e à desigualdade, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. Há, é certo, uma impossibilidade prática de converter as intenções em realidade. Mas isso não justifica que se abandone a defesa de boas ideias.

O primeiro item é aquele em que parece haver mais consenso. Ninguém discorda de que seja preciso acabar com a fome e melhorar o padrão de vida da população mundial. Tais temas são sempre levantados por Lula, ainda que o fim da miséria no planeta dependa de transformações nas regiões afetadas, nem sempre ao alcance de organismos multilaterais. Os esforços terminam canalizados para ações assistencialistas, também necessárias, mas raramente suficientes. Para o discurso não se tornar vazio e repetitivo, a pregação contra a fome e a miséria precisa apontar as barreiras que impedem o crescimento econômico e a distribuição de renda nas regiões mais pobres.

O segundo item — desenvolvimento sustentável — é aquele em que o Brasil tem mais a contribuir. Não que tenha um modelo perfeito para conter os gases causadores do aquecimento global. A principal fonte brasileira de emissões é o desmatamento — relacionado à agropecuária de baixa produtividade —, concentrado na Amazônia e no Cerrado. Mas a contribuição brasileira para que a temperatura global não chegue ao final do século mais de 1,5 °C acima da era pré-industrial não é difícil de atingir se houver combate determinado à devastação das florestas. A vantagem brasileira é ter uma matriz energética limpa, baseada sobretudo em hidrelétricas, com contribuição notável de fontes alternativas como solar e eólica. Biocombustíveis também oferecem a possibilidade de troca de experiências no âmbito do G20.

Por fim, Lula tentará aproveitar a presidência do G20 para defender a reforma da governança das Nações Unidas, tema mais controverso e com menor chance de avanço. É antiga a reivindicação, que inclui a ampliação do Conselho de Segurança, com um assento permanente para o Brasil.

O principal argumento é o desequilíbrio nas decisões da ONU, que espelha a realidade do final da Segunda Guerra. Em quase 80 anos, houve transformações que, segundo os defensores da ampliação, deveriam se refletir nas instâncias multilaterais. Como a mudança não interessa aos países que hoje mantêm poder de veto, continua improvável que a reivindicação prospere.

É preciso ser realista com a presidência do G20. Faz pouco tempo o Brasil, também para cumprir uma escala, passou pela presidência do Conselho de Segurança e precisou lidar com o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas. A diplomacia brasileira se desdobrou para elaborar uma proposta para evitar a escalada do conflito, mas esbarrou no poder de veto dos Estados Unidos. Essa é a vida real. Na ONU e em outros organismos multilaterais como o G20.

Trabalho infantil não será erradicado apenas por meio do assistencialismo

O Globo

Para evitar que crianças e jovens trabalhem, são necessárias políticas eficazes que os mantenham na escola

O trabalho infantil sempre foi um desafio para governos, mas a pandemia fez com que voltasse a aumentar. É apenas permitido o trabalho a partir dos 14 anos como aprendiz, com carteira assinada, nunca de maneira informal. Mas, de acordo com o IBGE, no ano passado 1,9 milhão, ou 5%, das crianças e adolescentes brasileiros exerciam alguma forma de trabalho fora das condições legais. Trata-se do percentual mais alto desde 2017, quando esse contingente começou a cair. A mesma pesquisa constatou que 77% dos adolescentes de 16 a 17 anos, ou 810 mil jovens, trabalhavam em 2022 sem carteira assinada.

O drama social tem resistido às iniciativas bem-intencionadas de governos. A necessidade das famílias pobres de ter mais fontes de renda força crianças e adolescentes a entrar no mercado de trabalho precocemente, em geral pela porta da informalidade. Entrar no mercado de trabalho de forma precoce contribui para a evasão escolar, impedindo o desenvolvimento físico e intelectual do jovem e bloqueando as oportunidades de ascensão social trazidas pela educação. Assim ele tem maior propensão a reproduzir a vida dos pais e a transmitir o mesmo destino aos filhos no futuro. Dessa maneira, a pobreza é transmitida de geração a geração num ciclo vicioso, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em muitos casos, a criança ou adolescente vive situação híbrida: estuda e trabalha. Em algum momento, acabam forçados a optar pelo trabalho, abandonando a escola, único meio que os qualificaria para sobreviver sem a ajuda do Estado. Reportagem do GLOBO relatou a rotina de um jovem de 16 anos, de João Pessoa (PB), que desde os 6 ajuda os pais, vendedores ambulantes, e ainda tenta frequentar a escola. Começou auxiliando nas compras, na manutenção da barraca e no atendimento da clientela. Não parou mais. Tal realidade mostra que não basta o legislador proibir o trabalho infantil. Não há como resolver um problema social dessa dimensão por meio de uma lei.

Para sair dessa armadilha, os formuladores de programas sociais como o Bolsa Família idealizaram condicionantes para o benefício. Uma delas é a frequência escolar dos filhos dos beneficiários. A medida atenuou o trabalho infantil, mas não o eliminou. Até porque os políticos parecem mais preocupados com os efeitos eleitorais do programa do que com sua eficácia para romper a cadeia intergeracional de pobreza e miséria. A via do assistencialismo não ataca a raiz do problema: para ascender socialmente, as famílias precisam não apenas de apoio financeiro, mas de educação de qualidade e saúde para os filhos.

Ambiente arejado

Folha de S. Paulo

Ano tem saldo positivo com retomada da pauta verde no Planalto e na diplomacia

O ano de 2023 principiou, no Brasil, com boas novas para o meio ambiente. Marina Silva retornou à Esplanada e deslanchou medidas que derrubariam o desmatamento na Amazônia; o garimpo na Terra Indígena Yanomami passou a ser reprimido; o Itamaraty retomou sua trajetória na diplomacia climática, truncada no quadriênio de negacionismo antiglobalista sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Após 12 meses, o panorama doméstico e externo se anuviou um tanto. A COP28 admitiu, com três décadas de atraso, que combustíveis fósseis turbinam o aquecimento global, mas sem detalhar como será a proeza de cortar 43% as emissões de carbono, até 2030, para cumprir-se o Acordo de Paris.

E isso num ano que caminha para se tornar o mais quente em 125 milênios. Eventos climáticos extremos se avolumam, com rios amazônicos transformados em bancos de areia, cidades do Sul convertidas em lagos e a safra de soja interrompida pela ausência de chuva na época esperada.

Faltam urgência e coerência à maioria dos governos. No Brasil, seguindo a manada fóssil, o Planalto comemorou a adesão à Opep+ na mesma semana em que o Consenso de Dubai era manietado na sede de um petroestado.

Não bastasse o tropeço, ato contínuo realizou um megaleilão de blocos petrolíferos e de gás natural. Nada se aprendeu em Brasília com as promessas descumpridas do pré-sal em que se lambuzara Luiz Inácio Lula da Silva (PT) noutro mandato. A miragem desenvolvimentista agora ressurge na margem equatorial da Amazônia.

Para cada passo em frente, dá-se um para trás. O garimpo volta a infernizar ianomâmis e outros povos originários. Dominado pela ala do centrão ligada ao agronegócio, o Congresso ressuscita a controversa tese do marco temporal, se contrapondo à decisão do STF.

Mais que derrubar o desmatamento, o Ministério do Meio Ambiente assiste ao seu deslocamento da Amazônia (9.001 km² derrubados) para o cerrado (11.012 km²), um bioma com metade da extensão da floresta tropical. Para complicar, a agropecuária pujante do Centro-Oeste constitui importante celeiro da ideologia antiambiental bolsonarista.

Apesar dos percalços, a situação do ambiente no Brasil, hoje, está sobejamente melhor. Sua preservação enfrenta resistências, porém o embate por políticas públicas pró e contra a natureza ou o clima transcorre na arena pública democrática, não em reuniões palacianas sem transparência.

O ano de 2024 será decisivo para fazer a pauta amadurecer e evitar que o país passe vergonha na COP30, a realizar-se em Belém do Pará no ano seguinte.

Inflação sob controle

Folha de S. Paulo

Relação entre Lula e BC autônomo será testada com freada no PIB e novo chefe

Seria otimismo excessivo ou ingenuidade imaginar que o convite ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para a confraternização de fim de ano de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na noite de quinta-feira (21), selou a paz entre o governo e a instituição.

O gesto ao menos tem importância simbólica porque proporcionou uma manifestação pública de civilidade e racionalidade do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, segundo o qual críticas e cobranças relativas aos juros não devem ser entendidas como ataques ao presidente ou à autonomia do BC.

Infelizmente, não foi esse o padrão seguido por Lula e o PT neste primeiro ano de governo —e é difícil crer que o Planalto serviria churrasco a Campos Neto se o crescimento do PIB e a geração de empregos não tivessem superado as expectativas em 2023.

Os méritos econômicos devem ser creditados ao desempenho excepcional da agropecuária, ao trabalho do BC autônomo, que controlou a inflação, e ao de Haddad, que se contrapôs aos impulsos mais doidivanas do presidente da República e de seu partido.

Em outro cenário, é provável que Campos Neto —escolhido por Jair Bolsonaro (PL) e primeiro chefe da autoridade monetária com autonomia formal assegurada por mandato fixo— continuasse tratado como inimigo e bode expiatório.

O primeiro encontro entre Lula e o economista só ocorreu em setembro, o que marcou o início de uma distensão —da qual o PT, entretanto, não participou, mantendo a retórica beligerante em documento partidário recente.

A relação entre governo e BC autônomo passará por um teste crucial no ano que está prestes a começar. Salvo mais uma surpresa positiva, a economia deverá mostrar desaceleração, com riscos para os já modestos índices de popularidade de Lula e o desempenho de aliados nas eleições municipais.

Mais importante, o mandato de Campos Neto se encerrará no final de 2024, e indicados pelo governo petista passarão a compor a maioria do Comitê de Política Monetária (Copom), colegiado responsável pela definição dos juros.

Se Lula e o PT insistirem no discurso demagógico contra as taxas, como se elas pudessem cair à base de mero desejo político, estará criado um obstáculo contra o próprio governo —pois um BC de credibilidade abalada submeterá o país a custos maiores para manter a inflação sob controle.

Os mais excluídos dos excluídos

O Estado de S. Paulo

O aumento da população de rua é uma hemorragia civilizacional que clama aos céus. Mas o problema é multidimensional e o Estado precisa enfrentá-lo em suas múltiplas dimensões

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 10 anos a população de rua no Brasil aumentou 211%. A calamidade é global. Há anos, nas metrópoles de países ricos e pobres, de San Francisco ao Cairo, de Pequim a Paris, dormem a cada noite mais miseráveis nas ruas.

Esse desamparo pandêmico sugere distúrbios socioculturais profundos: desintegração de laços comunitários, famílias desestruturadas, solidão, transtornos mentais, álcool, drogas. Todos esses fatores são pressionados por falhas de mercado. Sobretudo, o custo de moradia. Uma pesquisa estatística em Nova York sugeriu que uma queda de 10% nos custos de aluguel resultaria num declínio de 8% no número dos sem-teto. Um dos motivos pelos quais Tóquio quase não tem moradores de rua é a moradia barata. Como em outros países, no Brasil os custos têm aumentado. Metade das famílias que vivem com até três salários mínimos consome mais de um terço da renda com aluguel.

Além de políticas para gerar emprego, reduzir a pobreza e baratear a moradia (como adensamentos urbanos, habitações sociais ou aluguéis subsidiados), nas políticas focadas nos sem-teto há uma disputa entre duas estratégias: “moradia primeiro” ou “cuidado primeiro”. Para a primeira, a solução é instalar os sem-teto em moradias subsidiadas, sem pré-qualificações como sobriedade ou tratamentos psiquiátricos. Para a segunda, é preciso abrigálos em alojamentos temporários, condicionando moradias permanentes a compromissos de reabilitação. Para os partidários da primeira, a maior evidência é a Finlândia, o único país da Europa que reduziu sua população de rua. Os críticos contrapõem casos como o da Califórnia. O Estado mais rico dos EUA investiu bilhões em Housing First, mas em cinco anos, enquanto a população de rua no país cresceu 6%, a da Califórnia cresceu um terço. Com 12% da população do país, o Estado contabiliza quase metade dos americanos semteto. O contraste pede cautela. Talvez nenhum dos dois lados deva ter primazia, porque ambos devem vir primeiro, cada um em cada situação.

A população dos sem-teto é complexa. Há quem passe temporariamente pelas ruas e há quem viva permanentemente nelas. Há quem esteja momentaneamente sem condição de trabalhar e gerar renda e quem é parcial ou totalmente incapacitado por limitações físicas ou cognitivas; e há quem caia no relento por algum comportamento antissocial e autodestrutivo. Para estes, distúrbios mentais, abuso de entorpecentes e delinquências são a porta de entrada das ruas. Para os outros, as ruas podem ser a porta de entrada para delinquências, abusos e distúrbios. Todos esses casos pedem o cuidado do Estado de Bem-Estar Social. Mas de modos diferentes.

O modelo de “moradia primeiro” deveria priorizar famílias e pessoas em situação de rua por pura pobreza. Em São Paulo, o programa De Braços Abertos pagou moradias a dependentes químicos e psicóticos. Várias foram destruídas. Muitos voltaram a viver nas ruas, alguns morreram de overdose. São pessoas sem autonomia, que precisam ser abrigadas em comunidades e tratadas por profissionais antes de assumir um lar.

Entre 1995 e 2020 a pobreza extrema no Brasil caiu de 15% para 5%. Nos últimos cinco anos, o orçamento do Bolsa Família saltou de R$ 30 bilhões para R$ 175 bilhões. Mas o aumento exorbitante da população de rua sugere que os programas de transferência de renda não estão devidamente focados e são insuficientes sem outras formas de assistência. Além disso, boas intenções intoxicadas por romantismos podem, à custa de combater excessos, produzir outros piores. O movimento antimanicomial começou denunciando condições desumanas de hospitais psiquiátricos, mas, ao invés de humanizá-los, lutou por aboli-los. Hoje a disponibilidade de leitos no Brasil é 90% menor que a média da OCDE.

O aumento explosivo da população de rua é um fracasso cívico. Mas a solução pede menos voluntarismo e mais ciência, menos utopias e mais pragmatismo. O problema é multidimensional e o Estado precisa enfrentá-lo em suas múltiplas dimensões.

Descaso com a cidade de São Paulo

O Estado de S. Paulo

Câmara foi descuidada ao aprovar a Lei de Zoneamento. Lidar com o gabarito de construções, com a ocupação do solo e com o patrimônio da cidade é lidar com a vida das pessoas

A Câmara Municipal foi descuidada, para dizer o mínimo, ao concluir a votação definitiva da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Paulo, a chamada Lei de Zoneamento, no dia 21 de dezembro. Com 46 votos favoráveis e 9 contrários, a Casa aprovou o texto substitutivo apresentado pelo relator, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), apenas horas antes da votação em plenário. Ou seja, é lícito inferir que muitos vereadores votaram a favor de uma matéria sobre a qual não tiveram tempo hábil para avaliar com a devida atenção.

Pode-se argumentar que os vereadores tenham acertado entre si o teor do texto aprovado, que modificou sensivelmente o projeto original, fazendo da votação mera formalidade. O placar é eloquente nesse sentido. Os munícipes, porém, ficaram às escuras. Afinal, a serviço de quem – ou de quê – estão os vereadores? De nada adianta o relator Rodrigo Goulart argumentar que os termos da Lei de Zoneamento passaram por “várias audiências públicas” se, ao fim e ao cabo, o substitutivo que agora vai à sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB) era desconhecido da população até pouco tempo antes da votação.

Não foram alterações triviais do projeto. Uma das mais nefastas para o interesse público, sem dúvida, foi o esvaziamento do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), órgão responsável pela preservação da memória da cidade, pela proteção de seu patrimônio cultural e ambiental. De acordo com a nova Lei de Zoneamento, a decisão final sobre tombamentos passa a ser da Câmara Municipal, não mais do Conpresp. Isto é, uma decisão que deve ser eminentemente técnica – o conselho envolve especialistas de várias áreas do conhecimento – passa a se submeter à lógica da política. É um disparate. Uma reflexão sobre o que haveria de ser perene dá lugar à fugacidade dos interesses de ocasião.

Além dessa, outra mudança significativa foi a autorização para a verticalização dos chamados “centrinhos” e dos “miolos” dos bairros, aumentando o limite de altura das construções nas Zonas de Centralidade e nas Zonas Mistas, que, juntas, formam a maior parte da área da metrópole. Na prática, isso significa que poderão ser construídos edifícios de até 60 m de altura nos “centrinhos” e de até 42 m nos “miolos”, mesmo que esses prédios estejam afastados dos eixos de transporte coletivo. Arquitetos e urbanistas ouvidos pelo Estadão alertaram para os impactos que essa decisão terá sobre a temperatura, o trânsito e as emissões de poluentes na cidade. O prefeito Ricardo Nunes sinalizou que vetará esse trecho da Lei de Zoneamento.

Não bastasse tudo isso, os vereadores também aprovaram a construção de moradias populares em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental (Zepams), que foram convertidas em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). A Câmara Municipal também aprovou a inclusão de shopping centers e templos religiosos de grande porte no rol de exceções que não precisam obedecer a limites de construção em relação ao tamanho máximo do terreno, como cemitérios e bases militares.

Decerto há pontos positivos e negativos na nova Lei de Zoneamento. Segmentos da sociedade paulistana podem se sentir atendidos ou não por seus dispositivos. A questão de fundo é que não houve um debate aprofundado sobre a matéria que restou aprovada. É preciso dizer o óbvio: a Lei de Zoneamento não é uma lei trivial. Lidar com gabarito de construções, com permissões para ocupação do solo e com patrimônio cultural e ambiental da cidade é, fundamentalmente, lidar com a vida que as pessoas vão viver por muitos e muitos anos. Isso impõe ao legislador não apenas cuidado, mas elevado espírito público. Nem uma coisa nem outra parece ter havido naquela açodada votação.

A Câmara Municipal deu mostra de que se fecha cada vez mais à cidade, decidindo sobre questões de interesse direto dos paulistanos sem transparência. Não é assim que se faz política pública. Não é assim que se faz planejamento urbano – menos ainda na maior cidade da América Latina, a quarta maior cidade do mundo.

Uma bolsa promissora

O Estado de S. Paulo

Poupança Ensino Médio é boa ideia para combater o abandono e a evasão escolar entre estudantes mais pobres

Num país onde apenas 7 a cada 10 alunos concluem a educação básica, são bemvindas quaisquer iniciativas para evitar o abandono escolar e contribuir para que os estudantes tenham um futuro auspicioso. Melhor se for uma ideia bem desenhada, com foco em quem, de fato, precisa. O Brasil teve um exemplo de política dessa natureza com a aprovação, pelo Congresso, de um incentivo financeiro a 2,5 milhões de alunos de baixa renda matriculados no ensino médio. Depois de consenso construído na Câmara e no Senado em torno da proposta do governo, a chamada Poupança Ensino Médio foi à sanção do presidente Lula da Silva.

O programa merece aplausos porque, primeiro, olha para o público certo: estudantes pobres da rede pública, com prioridade para aqueles cuja renda familiar é de até R$ 218 mensais por pessoa. Além disso, a seleção dos alunos obedecerá a critérios de inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico, até aqui a melhor base de informações sobre a parcela da população que precisa do apoio do Estado.

Pela forma como está desenhada, a Poupança Ensino Médio é meritória também porque exibe alguns dos elementos que tornaram políticas similares bem-sucedidas mundo afora: clareza sobre o indicador que se deseja impactar; foco nos estudantes em situação de maior vulnerabilidade; condicionalidades associadas aos objetivos do programa; recursos repassados diretamente aos estudantes; e combinação de pagamentos recorrentes com incentivos adicionais – há previsão de um aporte anual à poupança a ser resgatado após a conclusão do ensino médio.

A experiência ensina que, seguindo as premissas acima, poupanças do gênero funcionam no combate ao abandono e à evasão escolar. O abandono escolar é caracterizado quando um estudante deixa de frequentar a escola durante o ano letivo. Na evasão escolar, o estudante, aprovado ou reprovado, não realiza a matrícula no ano seguinte. O Brasil vai mal nas duas coisas quando o assunto é ensino médio, a etapa mais crítica da educação básica do País – ainda que venha melhorando indicadores desde os anos 2000. No ano passado, a taxa de abandono escolar foi de 6,5%, ou quase 445 mil estudantes, índice que não passou de 0,5% nos anos iniciais do ensino fundamental e de 2,2% nos anos finais. Mais de 31,5% dos jovens de 19 anos não concluíram o ensino médio, com patamares maiores entre estudantes pretos e pardos e também entre os 20% mais pobres (52,2%), enquanto entre os 20% mais ricos o índice de conclusão foi de 85,5%.

São números que reafirmam alguns dos mais graves problemas e desigualdades do ensino médio. A poupança, claro, não é uma panaceia para todos os males da etapa, e nem assim imaginam seus formuladores. Mudar de verdade uma etapa que hoje é desinteressante e inadequada para milhões de jovens brasileiros da rede pública ainda exigirá mexer no currículo e na gestão, pontos que o chamado Novo Ensino Médio altera, assim como uma profunda revisão de rota na maneira como formamos e valorizamos a carreira de professores.

Imagine o mundo sem guerras

Correio Braziliense

Isso só será alcançado se os países e os líderes globais se comprometerem a resolver suas diferenças por meio do diálogo e do respeito mútuo, criando, como cantava John Lennon, uma irmandade

"Imagine que não há países / Não é difícil / Nenhum motivo para matar ou morrer / E nenhuma religião também / Imagine todas as pessoas/ Vivendo a vida em paz." Os versos inconfundíveis são da canção Imagine, de John Lennon, lançada em 1971 e que logo se tornou um dos maiores sucessos da carreira solo do ex-Beatle. Acompanhada apenas pelo piano, a letra da música traz uma mensagem simples, com um pedido de paz pelo mundo e que, mais de 50 anos após o seu lançamento, ainda soa atual, principalmente na época do Natal.

Afinal, o mundo atravessa um período de tensão elevadíssima com dois confrontos armados em andamento. Na Europa, onde a Ucrânia enfrenta uma invasão da Rússia desde fevereiro de 2022, o balanço é terrível. Até o momento, são centenas de milhares de mortos dos dois lados — incluindo civis —, milhões de refugiados, bloqueios navais que dificultam o comércio global e, claro, o risco sempre iminente de uma escalada que leve a alguma reação com armamento nuclear.

No Oriente Médio, na terra em que Jesus nasceu, o confronto entre Israel e Hamas passou da dezena de milhares de mortes, a imensa maioria de civis. A guerra também vem mostrando uma drástica falência da Organização das Nações Unidas (ONU) e do seu Conselho de Segurança, incapaz de chegar a uma solução para o conflito.

Não é só. Na América do Sul, os ânimos se acirraram com um plebiscito na Venezuela que determinou que o país deve anexar a região do Essequibo, atualmente parte do território da Guiana. O Brasil, como potência regional, tem promovido a diplomacia e atuado como mediador nas negociações, mas que seguem com resultado incerto e o clima de tensão elevado. Esses conflitos se somam a outros andamento pelo mundo, como as guerras civis no Iêmen, em Myanmar, na Síria, na Somália e no Sudão, além de outros confrontos em países como México, Haiti e El Salvador.

É uma tragédia que reside não apenas nos números alarmantes de mortes, mas também nas cicatrizes emocionais e psicológicas que esses conflitos deixam nas vidas das pessoas. A perda de familiares, a destruição de lares e o trauma moldam o cotidiano daqueles que vivem nas áreas de conflito. Nesses locais, o direito à vida, à segurança e à dignidade são constantemente violados, enquanto a promessa de um futuro melhor é constantemente adiada. Em suma: o mundo ainda está longe da visão de Imagine, com todas as pessoas vivendo em paz.

A data de hoje leva, sempre, a algumas reflexões. É um momento em que o mundo cristão celebra a união, o amor, o perdão e a esperança, e renova seus compromissos com esses sentimentos. Que este dia de Natal seja, portanto, mais do que apenas uma comemoração, e sim o início de uma virada, pavimentando um caminho para uma resolução dos conflitos que tanto afligem o mundo.

É a hora de estender a mão aos outros, praticar a generosidade e, acima de tudo, buscar a paz. Isso só será alcançado se os países e os líderes globais se comprometerem a resolver suas diferenças por meio do diálogo e do respeito mútuo, criando, como cantava John Lennon, uma irmandade em que todas as pessoas estão compartilhando o mundo. Somente assim será possível honrar o espírito natalino e construir um futuro em que a harmonia prevaleça sobre a guerra, com a luz da paz nos corações de todos.

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