O Estado de S. Paulo
Parlamentares da comissão não viram quando a ‘Abin paralela’ se tornou a própria Abin
O verdadeiro poder começa onde o segredo
começa. “Quanto mais visível é uma agência governamental, menos poder ela detém
e, quanto menos se sabe sobre a existência de uma instituição, mais poderosa
ela é.” A conclusão de Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo é conhecida,
mas precisa ser lembrada.
No escândalo da Abin paralela, o próprio nome
parece encobrir a sua dimensão. Também nada se diz sobre o papel da Comissão
Mista de Controle das Atividades de Inteligência no Congresso (CCAI). Formada
por 12 membros – seis senadores e seis deputados indicados pela maioria e pela
minoria –, a comissão não passou perto dos desvios da agência de inteligência.
No governo Bolsonaro, a CCAI teve como presidentes Fernando Collor e Aécio
Neves. E, hoje, quem a preside é o senador Renan Calheiros, um dos alvos da arapongagem
“paralela”.
O que a comissão controlou afinal? Procurou saber sobre a veracidade de informes a respeito de supostos desvios na contrainteligência da Abin, que deixaram vulneráveis a agências estrangeiras informações estratégicas do País? Ou sobre informes de que a Abin fez vista grossa a ações da CIA em Roraima contra Nicolás Maduro? Ou que policiais federais emprestados à agência produziam relatórios partidários, em que interesses de um grupo político capturavam um órgão de Estado?
O que fez quando se soube que a Abin entregou
ao FBI o engenheiro naval americano Jonathan Toebbe, que queria vender segredos
de reatores nucleares de submarinos americanos ao...
Brasil. Relatos sobre isso já existiam desde
2022. Afinal de contas, para quem a Abin trabalhava sob Bolsonaro? Os áudios de
Ramagem, as mensagens trocadas por agentes e os dados do programa First Mile
demonstram sintomas mórbidos da crise da democracia no Brasil.
Em determinado momento do governo do
ex-presidente, aparentemente, o que era a tal Abin paralela deixou de ser
paralela e passou a ser a própria agência, sob o controle do delegado Ramagem e
do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto
Heleno. É sobre essa linha de investigação que se debruça a PF.
Se Arendt estava certa, devese buscar nos
segredos da Abin de Bolsonaro o núcleo duro de seu governo. Não só porque os
arcana imperii, os segredos de Estado, eram vistos como o princípio e o fim do
poder estatal. Mas porque os interesses do País pareciam se misturar com
interesses familiares e amizades.
A manutenção de segredos está na base da
utopia de todos os autoritários. A única forma de a sociedade confrontá-los é
fazer o que a CCAI foi incapaz: fiscalizar e vigiar. É bom lembrar: eleito
deputado, Ramagem foi fazer parte da comissão.
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