sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Eliane Cantanhêde - O relógio de Lula

O Estado de S. Paulo

Todo presente deve ser da União, mas até lá não se pode ignorar regras nem misturar mil com milhões

Apolítica, quando embolada com a Justiça, o que é muito comum, é capaz de dar um nó difícil de desatar. Como entender a intenção da Advocacia-Geral da União de reclamar da decisão do TCU – que, aliás, é um tribunal de Contas, não de Justiça – que dispensou o presidente Lula de devolver o relógio Cartier que ele ganhou em 2005? Foi uma vitória ou não de Lula? Ou ele estava louco para se livrar do presente e se sentiu derrotado?

A questão complexa, uma teia de manobras, jogadas políticas, jeitinhos jurídicos, que exige malabarismos para entender e tentar explicar. Mas o resultado concreto, real, é simples: o bolsonarismo usou o relógio de Lula para (tentar) se livrar dos inquéritos e de condenações pelos estojos carregados de brilhantes que o então presidente Jair Bolsonaro não apenas fez tudo para botar a mão como até vendeu no exterior.

O pulo do gato foi levar o caso do relógio ao TCU e, bingo!, chegar ao voto vitorioso do ministro Jorge Oliveira, nomeado por Bolsonaro, dizendo que Lula e “ex-presidentes” estão isentos de regras sobre presentes ganhos no cargo. Ué! E as normas e limites do próprio TCU, de 2016? Ah! Para Oliveira, não cabe ao TCU, mas ao Congresso definir as regras. Até lá, liberou geral.

Pela decisão, tanto Lula quanto Bolsonaro podem dispor dos presentinhos à vontade, mas vamos combinar que as dimensões são bastante diferentes. O que um relógio de R$ 60 mil tem a ver com colares, relógios e abotoaduras de diamantes de mais de R$ 6 milhões? E Lula botou o relógio no pulso e saiu por aí, enquanto Bolsonaro usou até avião da FAB, moveu civis e militares, Itamaraty e outros ministérios para botar a mão nos estojos e depois vender peças nos EUA.

O argumento principal para distinguir as duas situações, porém, é a temporalidade, como destacou o relator Antonio Anastasia: o relógio de Lula foi 11 anos antes e os diamantes de Bolsonaro já com as regras do TCU valendo desde 2016. Anastasia votou por liberar o relógio para Lula. Oliveira, para salvar Bolsonaro da Justiça. Pode dar certo ou não. A PF diz que nada muda.

O fato é que se trata de um jogo de espertezas, muito usado quando o investigado ou réu é rico, poderoso, com advogados pagos a peso de ouro – ou de diamantes? O correto seria que todo presente recebido por presidentes e autoridades em função do cargo fosse automaticamente a guarda da União. Enquanto isso, não se pode misturar mil com milhões, nem desconhecer datas em que atos e regras passaram a valer. Que o bolsonarismo faça a festa nas redes sociais com o relógio de Lula, faz parte, mas isso ter consequências em julgamentos são outros 500.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

No momento que a nossa imprensa profissional assumiu se igualar ao que tem de mais rasteiro na internet nosso país ficou condenado ao populismo seja ele de esquerda ou de direita….
E ainda reclamam da polarização como se nada tivessem a ver com ela….

Anônimo disse...

Mais uma vez a Eliane Cantanhede se posicionando como uma mãe de um menino desviado Sempre passando a mão na cabeça assim ela age toda vez
O que ela precisa entender que o desvio de mil ou milhões para a justiça de Deus e dos homens é a mesma coisa

ADEMAR AMANCIO disse...

O presente do Lula não foi de chefe de estado,outra diferença.