domingo, 8 de setembro de 2024

Elio Gaspari - A crise ambiental mudou de patamar

O Globo

Vistos como profetas da catástrofe, os ambientalistas se revelaram clarividentes

A crise climática está aí. O país vive a maior seca em mais de meio século, dois mil municípios estão em condições de risco e cidades são tomadas pela fumaça dos incêndios. No Dia da Amazônia, soube-se que, em agosto, a região teve 38 mil focos de queimadas, um número superior aos anos de Bolsonaro. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse no Senado que o bioma do Pantanal pode desaparecer até o fim deste século.

Os ambientalistas tinham razão. Vistos como profetas da catástrofe, revelaram-se clarividentes. E agora? O pior cenário seria a continuação do que acontece há décadas. Os defensores do meio ambiente reclamam, nada acontece (ou faz-se uma lei) e as coisas continuam na mesma. A orquestra toca a partitura errada e alguns instrumentos não tocam como deviam.

Antes da posse de Lula, circulou a proposta de se cuidar do meio ambiente por meio de uma política de transversalidade. Por trás dessa palavra que pode dizer muito, ou nada, o problema ambiental seria enfrentado por uma agência, fosse o que fosse, prevalecendo sobre as burocracias dos ministérios.

Enquanto o novo governo era uma arca de sonhos, essa proposta inteligente ganhou destaque. Com a posse, veio a vida real. Mobilizaram-se burocratas que não queriam compartilhar o poder de seu quadrado e parlamentares que defendem os interesses dos agrotrogloditas. A ideia da transversalidade foi queimada no escurinho de Brasília.

Não há receita visível para se resolver o problema, mas está diante de todos a evidência de que as coisas não funcionam mantendo-se a máquina que existe. É como querer que um caminhão voe.

No seu novo patamar, a crise ambiental pede que se comece a discutir o formato da peça que implementará a transversalidade. Do jeito que estão as coisas, a ministra Marina Silva vai ao Senado e diz o seguinte:

— Nós estamos vivendo sob um novo normal que vai exigir do poder público capacidade de dar resposta que nem sabemos como vão se desdobrar daqui para a frente. (...) Somos cobrados para que se faça investimentos que são retroalimentadores do fogo.

Lindas palavras, mas a ministra é parte do que chama de “poder público”. Além disso, se investimentos alimentam o fogo, cabe ao “poder público” expor a questão, até porque investimento não põe fogo em nada. Quem queima são iniciativas e barrá-las, expondo-as, é o que se precisa.

Em novembro de 2025 instala-se em Belém a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a COP 30. O governo está tratando do assunto como se ele fosse mais um evento, procurando brechas para lustrar biografias.

Má ideia, pois o Lula que foi à COP 27 em 2022, no Egito, vestia o manto da proteção ambiental. Em Belém precisará mostrar resultados e ações.

Litigâncias gerais

Vêm aí milhares de litígios, sobretudo nas regiões do Sul afetadas por enchentes. São devedores contra bancos, empresários contra fornecedores, fornecedores contra empresários e, acima de tudo, pessoas ou negócios prejudicados pela má gestão do poder público.

Algumas já chegaram à Justiça e calcula-se que a enxurrada seja de tal proporção que será necessário criar uma protocolo para lidar com ela.

Serviço bem feito

Até agora, Lula conduziu com habilidade o comportamento do governo na disputa pela presidência da Câmara, coisa que acontecerá no início do ano que vem.

Não repetiu o erro de Dilma Rousseff em 2014. O PT resolveu peitar Eduardo Cunha, perdeu e cavou o seu impedimento da presidente.

Estimulando o que diz ser um nome de consenso, tirou o PT da vitrine e mandou a bola para o Centrão.

Manobra banal, a menos que o deputado Hugo Motta fosse há tempo um coringa guardado no banco de reservas. Nesse caso, teria sido coisa de mestre.

De qualquer maneira, Lula baixou a bola da voracidade petista. No início do mandato, essa voracidade assustava aliados. Agora, são os aliados que se comem.

Os crachás do PT

Aos 46 anos, o PT tomou gosto pela concessão de condecorações e medalhas. É coisa da idade.

A caça aos crachás vigorou no Império, caiu em desuso com a República e reviveu nas ditaduras.

A baixo custo, afaga egos.

O filósofo francês Raymond Aron (1905-1983) resolveu essa questão, tratando das condecorações: “Jamais as peça, jamais as recuse e jamais as use.”

Essa frase é atribuída a Winston Churchill, que tinha 32 patacas.

A PGR terá que decidir

Tendo completado dois mil dias na mesa do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito das fake news, está com os dias contados.

Passando-o à Procuradoria-Geral da República, Moraes livra-se do peso e ele vai para o doutor Paulo Gonet. A PGR deverá decidir o destino dos incriminados.

Kamala x Trump

Terça-feira Kamala Harris e Donald Trump terão seu primeiro debate.

Kamala entrará como favorita, até porque o ex-presidente está zonzo.

Por mais que se torça pela senhora, não se deve esquecer que ela foi pedestre no discurso diante da convenção dos democratas e na sua primeira entrevista.

Cantanhêde disse tudo

Eliane Cantanhêde disse tudo há duas semanas:

“Dois fantasmas da era do PT pairam sobre o 3º mandato: fundos de pensão e agências reguladoras.”

Em agosto, os fundos queriam mais liberdade para orientar seus investimentos.

O aviso perdeu-se. Agora os fundos de pensão das estatais querem que o Conselho Monetário Nacional alivie as punições dos gestores que arruinaram os patrimônios que administravam durante o primeiro consulado petista.

Era o tempo em que o fundo da Caixa Econômica investia num tamborete paulista e seu gestor defendia a operação com a naturalidade de um banqueiro inglês.

Duas vagas no STJ

Está aberta a temporada para a captura de duas vagas no Superior Tribunal de Justiça. Os escolhidos deverão sair de duas listas, cada uma com três nomes.

Como ocorre há alguns anos, pelo menos quatro ministros do Supremo têm candidatos.

Voltará à disputa o desembargador Ney Bello, do Maranhão. Durante o governo passado, Jair Bolsonaro chegou a informá-lo de que estava escolhido. O desembargador foi abatido em voo pelo ministro Kassio Nunes Marques, que vetou-o no escurinho do Alvorada.

A desfeita sofrida por Bello provocou o rompimento de seu padrinho, Gilmar Mendes, com Bolsonaro.

A conversa dos dois foi dura e, pelo lado do então presidente, constrangedora.

Bater boca é o jogo de Milei

Bater boca com Javier Milei é fazer o seu jogo. Quando a Argentina precisa, pede ao Brasil que cuide de sua embaixada em Caracas.

Deixá-lo falar sozinho é o melhor remédio. Avisar que o Itamaraty cancelará reuniões é coisa de pirracento.

Na diplomacia profissional, pode-se até ir à reunião, desde que os negociadores sejam instruídos a adiar a discussão de todos os assuntos que interessam aos hermanos.

3 comentários:

Daniel disse...

Boa análise sobre a questão ambiental. Os agrotrogloditas há décadas botam fogo nas nossas vegetações, nos anos Bolsonaro com a cumplicidade do criminoso ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente. Marina Silva tem boa vontade e dedicação, mas não está conseguindo combater tantos crimes ambientais espalhados por todo o país. A seca extraordinária complica ainda mais a baixa eficiência dos órgãos ambientais.

Mais um amador disse...

" Em novembro de 2025 instala-se em Belém a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a COP 30. O governo está tratando do assunto como se ele fosse mais um evento, procurando brechas para lustrar biografias.

Má ideia, pois o Lula que foi à COP 27 em 2022, no Egito, vestia o manto da proteção ambiental. Em Belém precisará mostrar resultados e ações. "

😏😏😏

ADEMAR AMANCIO disse...

O pior é saber que os incêndios acontecem à revelia,claro,da boa gestão de Marina Silva.