O Globo
O Brasil terá mais dificuldades para
encontrar outros mercados se houver restrições a nossos produtos nos Estados
Unidos
Nos diversos discursos em que ameaçou
aumentar as tarifas de importação para níveis punitivos, o presidente Donald
Trump citou o Brasil apenas uma vez, quase de passagem. Disse, no meio de um
discurso sobre vários temas:
— O Brasil cobra muito. Se eles querem nos
cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa.
Não deu detalhes, ao contrário do que fez nos casos de China, México e Canadá, ameaçados com aumentos brutais de tarifas (60%, no mínimo, para produtos chineses, 25% para mexicanos e canadenses). Esses três países são os alvos preferenciais, por serem os maiores exportadores para os Estados Unidos.
O Brasil nem aparece na lista dos principais
fornecedores do mercado americano. Daí a escassa atenção de Trump. Mas, vistas
as coisas do nosso lado, os Estados Unidos são muito importantes. Trata-se do
segundo destino de nossas vendas externas, atrás apenas da China.
O governo brasileiro tem, ou deveria ter,
motivos para preocupação. Mas até aqui não fez qualquer movimento. A presidente
do México, Claudia
Sheinbaum, que é de esquerda, apressou-se em conversar com Trump.
Assim como o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Com a China, pelo
menos até aqui, parece não ter conversa. É conflito.
Mesmo para os aliados, como México e Canadá,
a conversa começa difícil. Disse um dos colaboradores de Trump:
— A tarifa de importação é uma arma que
estará sobre a mesa; não será necessariamente usada; mas se for preciso, será.
Parece uma proposta de negociação, começando,
porém, com condições duras aplicadas pela parte mais forte. Mas o que os
governos mexicano e canadense podem fazer? Das exportações mexicanas, nada
menos que 77% cruzam a fronteira para os Estados Unidos. Das canadenses, são
75%.
No caso do Brasil, o tamanho do problema
parece menor. Algo como 11% das nossas exportações vão para os Estados Unidos.
A maior parte vai para a China. Mas há grande diferença na qualidade do
comércio. Se, para a China, o Brasil exporta commodities, para os Estados
Unidos são produtos industriais, de maior valor agregado. Tem mais: no ano
passado, as exportações totais do Brasil sofreram queda. Para os Estados
Unidos, cresceram forte.
Resumindo: no comércio externo, o mercado
americano é o mais importante para a indústria brasileira. As perdas locais
serão fortes se Trump envolver o Brasil na guerra tarifária. Os produtos
americanos aparecem em segundo lugar nas importações brasileiras: aeronaves,
máquinas, equipamentos, tecnologia, motores e medicamentos. Daqui para lá,
entre os mais importantes: aeronaves (da Embraer), café, celulose,
combustíveis.
O que fazer? Nada, esperando que Trump se
esqueça do Brasil e gaste tempo e energia com China, México e Canadá? Ou
procurar vias de contato com a futura administração americana?
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira,
disse que o Brasil precisa ser pragmático nas relações com os Estados Unidos.
Observa ainda que os americanos têm investimentos de US$ 150 bilhões no Brasil.
E que grandes empresas brasileiras empregam milhares nos Estados Unidos.
Verdade, negócios são negócios. Mas do lado
de lá está Trump, amigo do bolsonarismo e criticado por Lula, quando o
presidente brasileiro manifestou preferência pela democrata Kamala Harris.
Ainda assim, e falando francamente, o problema maior está do lado brasileiro.
Pelo peso pequeno do Brasil na balança comercial americana, é mais fácil para
os Estados Unidos substituir as importações brasileiras. O Brasil terá mais
dificuldades para encontrar outros mercados se houver restrições a nossos
produtos nos Estados Unidos.
Logo, e para ser pragmático, o governo Lula
precisa encontrar algum caminho para negociar com a administração americana.
Precisa estar preparado quando o problema das tarifas aparecer. Quem está
conversando com Trump é o presidente da Argentina, Javier Milei,
que fala em fechar acordo comercial direto com os Estados Unidos. Seria outro
problema por aqui. Depois do americano, o mercado argentino é nosso maior
cliente para produtos industriais.
Haja pragmatismo.
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