DEU EM O GLOBO
A candidata Dilma Rousseff disse à “Época” que a “perversidade monstruosa” do Estado mínimo é que ele “não investe em saneamento”. Faltou explicar dois pontos: quem entre seus adversários defende o Estado mínimo e por que, ao final do governo Lula, pelo último dado disponível, apenas 52% dos domicílios têm esgoto; quatro pontos percentuais a mais do que no começo do mandato.
Dilma disse, citando Lula, que “para quem é rico não interessa ter Estado”. Interessa, sim, basta ver a fila do BNDES e a concentração dos empréstimos nos grandes grupos econômicos, no governo Lula. Vamos lembrar um caso recente. O JBS Friboi comprou o frigorífico americano Pilgrim’s Pride e logo depois foi fazer a peregrinação ao banco. Lançou debêntures e, apesar de a operação não criar emprego algum no Brasil, o BNDES comprou 65% delas por R$ 2,2 bilhões. Pobres ricos brasileiros! O que seria deles sem o Estado?
Compare-se o dinheiro do JBS Friboi com o gasto com saneamento. No Orçamento da União de 2009, de acordo com o Contas Abertas, a dotação para saneamento foi de R$ 3,1 bilhões. Mas foram pagos apenas R$ 1,6 bilhão, contando restos a pagar. O desembolso do BNDES para saneamento foi de R$ 1,3 bilhão no mesmo ano.
Ninguém defende ou defendeu até hoje Estado mínimo no Brasil. As privatizações apenas reduziram excessos inconcebíveis como o da siderurgia, toda estatal com prejuízos cobertos pelo dinheiro dos impostos, ou de um monopólio estatal de telefone que não conseguia entregar o produto a mais de 30% dos domicílios. A telefonia privada levou o serviço para 82% dos domicílios, mas o PSDB não capitaliza o resultado, e o governo Lula quer recriar a Telebrás.
Saneamento sempre foi entregue ao Estado, sempre dependeu do investimento dos governos e sempre foi uma vergonha. Não foi diferente nos dois períodos do presidente Lula. No primeiro ano do governo de Fernando Henrique, o percentual de domicílios ligados à rede de esgoto era de 39%.
No último, tinha subido para 46%. Em 2003, no primeiro ano de Lula, a Pnad registra 48% de domicílios com esgoto, e no último dado disponível divulgado pela pesquisa, do ano passado e que se refere a 2007, é de 52%.
Nos dois houve avanços, nenhum dos dois produziu um número do qual se vangloriar.
A ministra pegou o exemplo errado. Para se ter uma ideia, em 2007 houve queda dos domicílios com saneamento básico no Norte do país, onde apenas 9% das casas estão ligadas à rede de esgoto.
A ministra Dilma já estava em campanha há muito tempo, mas neste fim de semana é que foi oficializada pelo PT, fez discurso, deu entrevistas, o presidente Lula deu entrevista. Agora é oficial. E ela começa a testar suas respostas, discursos e propostas para a campanha eleitoral.
Há respostas boas, falsas, óbvias e fracas. É falso que o governo anterior tenha tentado privatizar a Petrobras; é fraco o argumento de que “o pessoal se mobilizou” e impediu a privatização de Furnas. Defendida pelo corporativismo e pelos políticos, não por bons motivos, Furnas passou a ser feudo do PMDB. É fraco defender o estatismo com o argumento de que nos Estados Unidos o Pentágono organiza a demanda privada. Ora, em que país do mundo as compras governamentais não são uma grande fonte de demanda da economia? Dilma deu algumas boas respostas na sua entrevista à “Época”. Sobre aborto, ela disse que todas as mulheres que viu fazer “entraram chorando e saíram chorando”, mas que é uma questão de saúde pública porque as mulheres pobres, que não podem ir à clínica privada, se submetem a métodos que colocam suas vidas em risco.
Entrou no delicado assunto com sobriedade. Sobre o julgamento de acusados de tortura e terrorismo, ela fez a distinção que cabe. Lembrou que um lado sofreu processo, prisão, tortura e perda dos direitos políticos. “Não há similaridade com a condição daqueles que torturaram.” A candidata disse nas entrevistas, e no discurso, que quer fazer um governo de coalizão. Isso é óbvio, já que nenhum partido no Brasil conseguiu maioria para governar sozinho. É inevitável que ela faça uma coalizão caso seja eleita.
Dilma deu uma resposta que parece boa, mas é pura criação de marketing, sobre o fato de ter menos intenção de votos entre mulheres. Disse que elas demoram mais a tomar decisão, mas quando tomam nada as demove. “Como vocês devem saber por experiência própria”, disse aos entrevistadores da revista, todos homens. Ficou engraçado, mas faltou explicar por que no Ibope de fevereiro José Serra tem 36% de intenção de voto de homens e mulheres, Ciro Gomes, 11% de ambos os sexos, e Marina Silva, os mesmos 8%. Já Dilma tem 29% dos homens e 22% das mulheres.
Lula disse na entrevista do “Estadão” que “a grande obra de um governo é fazer seu sucessor”. Se fosse assim, o que seria do pilar democrático da alternância no poder? A grande obra de um governo é governar bem. Fazer o sucessor pode ser decorrência.
A propósito, o jingle da Dilma se refere seis vezes ao presidente: “Lula”, “ele”, “dele”, “ele”, “Lula”, “cabra valente”. E havia quem na Convenção do PT exibisse camisa defendendo Lula “outra vez”. Ela não quer ser chamada de poste, mas a campanha não a ajuda.
Com Alvaro Gribel
A candidata Dilma Rousseff disse à “Época” que a “perversidade monstruosa” do Estado mínimo é que ele “não investe em saneamento”. Faltou explicar dois pontos: quem entre seus adversários defende o Estado mínimo e por que, ao final do governo Lula, pelo último dado disponível, apenas 52% dos domicílios têm esgoto; quatro pontos percentuais a mais do que no começo do mandato.
Dilma disse, citando Lula, que “para quem é rico não interessa ter Estado”. Interessa, sim, basta ver a fila do BNDES e a concentração dos empréstimos nos grandes grupos econômicos, no governo Lula. Vamos lembrar um caso recente. O JBS Friboi comprou o frigorífico americano Pilgrim’s Pride e logo depois foi fazer a peregrinação ao banco. Lançou debêntures e, apesar de a operação não criar emprego algum no Brasil, o BNDES comprou 65% delas por R$ 2,2 bilhões. Pobres ricos brasileiros! O que seria deles sem o Estado?
Compare-se o dinheiro do JBS Friboi com o gasto com saneamento. No Orçamento da União de 2009, de acordo com o Contas Abertas, a dotação para saneamento foi de R$ 3,1 bilhões. Mas foram pagos apenas R$ 1,6 bilhão, contando restos a pagar. O desembolso do BNDES para saneamento foi de R$ 1,3 bilhão no mesmo ano.
Ninguém defende ou defendeu até hoje Estado mínimo no Brasil. As privatizações apenas reduziram excessos inconcebíveis como o da siderurgia, toda estatal com prejuízos cobertos pelo dinheiro dos impostos, ou de um monopólio estatal de telefone que não conseguia entregar o produto a mais de 30% dos domicílios. A telefonia privada levou o serviço para 82% dos domicílios, mas o PSDB não capitaliza o resultado, e o governo Lula quer recriar a Telebrás.
Saneamento sempre foi entregue ao Estado, sempre dependeu do investimento dos governos e sempre foi uma vergonha. Não foi diferente nos dois períodos do presidente Lula. No primeiro ano do governo de Fernando Henrique, o percentual de domicílios ligados à rede de esgoto era de 39%.
No último, tinha subido para 46%. Em 2003, no primeiro ano de Lula, a Pnad registra 48% de domicílios com esgoto, e no último dado disponível divulgado pela pesquisa, do ano passado e que se refere a 2007, é de 52%.
Nos dois houve avanços, nenhum dos dois produziu um número do qual se vangloriar.
A ministra pegou o exemplo errado. Para se ter uma ideia, em 2007 houve queda dos domicílios com saneamento básico no Norte do país, onde apenas 9% das casas estão ligadas à rede de esgoto.
A ministra Dilma já estava em campanha há muito tempo, mas neste fim de semana é que foi oficializada pelo PT, fez discurso, deu entrevistas, o presidente Lula deu entrevista. Agora é oficial. E ela começa a testar suas respostas, discursos e propostas para a campanha eleitoral.
Há respostas boas, falsas, óbvias e fracas. É falso que o governo anterior tenha tentado privatizar a Petrobras; é fraco o argumento de que “o pessoal se mobilizou” e impediu a privatização de Furnas. Defendida pelo corporativismo e pelos políticos, não por bons motivos, Furnas passou a ser feudo do PMDB. É fraco defender o estatismo com o argumento de que nos Estados Unidos o Pentágono organiza a demanda privada. Ora, em que país do mundo as compras governamentais não são uma grande fonte de demanda da economia? Dilma deu algumas boas respostas na sua entrevista à “Época”. Sobre aborto, ela disse que todas as mulheres que viu fazer “entraram chorando e saíram chorando”, mas que é uma questão de saúde pública porque as mulheres pobres, que não podem ir à clínica privada, se submetem a métodos que colocam suas vidas em risco.
Entrou no delicado assunto com sobriedade. Sobre o julgamento de acusados de tortura e terrorismo, ela fez a distinção que cabe. Lembrou que um lado sofreu processo, prisão, tortura e perda dos direitos políticos. “Não há similaridade com a condição daqueles que torturaram.” A candidata disse nas entrevistas, e no discurso, que quer fazer um governo de coalizão. Isso é óbvio, já que nenhum partido no Brasil conseguiu maioria para governar sozinho. É inevitável que ela faça uma coalizão caso seja eleita.
Dilma deu uma resposta que parece boa, mas é pura criação de marketing, sobre o fato de ter menos intenção de votos entre mulheres. Disse que elas demoram mais a tomar decisão, mas quando tomam nada as demove. “Como vocês devem saber por experiência própria”, disse aos entrevistadores da revista, todos homens. Ficou engraçado, mas faltou explicar por que no Ibope de fevereiro José Serra tem 36% de intenção de voto de homens e mulheres, Ciro Gomes, 11% de ambos os sexos, e Marina Silva, os mesmos 8%. Já Dilma tem 29% dos homens e 22% das mulheres.
Lula disse na entrevista do “Estadão” que “a grande obra de um governo é fazer seu sucessor”. Se fosse assim, o que seria do pilar democrático da alternância no poder? A grande obra de um governo é governar bem. Fazer o sucessor pode ser decorrência.
A propósito, o jingle da Dilma se refere seis vezes ao presidente: “Lula”, “ele”, “dele”, “ele”, “Lula”, “cabra valente”. E havia quem na Convenção do PT exibisse camisa defendendo Lula “outra vez”. Ela não quer ser chamada de poste, mas a campanha não a ajuda.
Com Alvaro Gribel
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