Para ex-ministro, direitos e garantias do Código Penal estão ameaçados
Bruno Góes, Sérgio Roxo
RIO e SÃO PAULO - Um artigo em que o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos afirma que os direitos e as garantias previstos no Código Penal estão sob ameaça, e que, este ano, "a tendência repressiva passou dos limites" causou polêmica no meio jurídico. O texto foi publicado no site "Consultor Jurídico" e, mesmo sem citar o julgamento do mensalão, faz referências indiretas a atuação do STF no caso, em que Thomaz Bastos defendeu o ex-presidente do Banco Rural José Roberto Salgado.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO concordam que há dificuldades para que os criminalistas desempenhem sua função com plena estabilidade. No entanto, discordam que haja em curso um movimento que despreza provas e leva em conta apenas indícios para a condenação criminal de um réu, como defendeu o ex-ministro no artigo. Advogados de outros réus do mensalão, por e-mail, prestaram solidariedade a Thomaz Bastos.
O jurista Ives Granda Martins disse que não comentaria o caso específico do mensalão, mas entende que o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou a interpretação com relação às provas apresentadas contra os réus.
- Havia um entendimento de que o processo penal deve beneficiar o réu. Para condenar, teria que haver provas mais do que contundentes. Houve essa evolução do Supremo para a teoria do domínio do fato - avalia Martins.
"Quando juízes se deixam influenciar pela "presunção de culpabilidade" são tentados a aceitar apenas "indícios", no lugar de prova concreta produzida sob contraditório. Como se coubesse à defesa provar a inocência do réu!", escreveu Thomaz Bastos no artigo.
Para Tânia Rangel, professora de Direito da FGV Direito Rio, a constatação não está apoiada na realidade:
- Esse debate veio à tona com o julgamento do mensalão e o que se decidiu ali foi que os indícios são meios de prova para a condenação criminal. Mas isso já era decidido não só no Supremo, mas também em todos os tribunais brasileiros. O que não pode acontecer, e não aconteceu no caso do mensalão, são decisões judiciais condenatórias baseadas exclusivamente em indícios - rebate a professora.
Já o criminalista Roberto Podval entende que é cedo para se saber se o Supremo irá relativizar provas. Ele não acredita que o STF caminha contra as garantias:
- O retrato do julgamento do mensalão não pode servir para se dizer que a Justiça não segue os preceitos garantistas.
Presidente da OAB-SP, Luiz Flávio D"Urso afirmou não ter lido o artigo, mas discorda da tese defendida pelo ex-ministro:
- Não acho que o Judiciário esteja patrocinando uma ação repressiva.
Intitulada ""Vigiar e punir" ou "participar e defender"?", o artigo de Thomaz Bastos também cita o "clamor" da opinião pública como efeito perverso para a defesa da liberdade.
"À sombra da legítima expectativa republicana de responsabilização, viceja um sentimento de desprezo pelos direitos e garantias fundamentais. O "slogan" do combate à impunidade a qualquer custo, quando exaltado pelo clamor de uma opinião popular que não conhece nuances, chega a agredir até mesmo o legítimo exercício da "liberdade de defender a liberdade", função precípua do advogado criminalista", escreveu Thomaz Bastos no artigo.
Para Tânia Rangel, a sociedade é sempre a favor de direitos e garantias fundamentais, mas quando se fala nesses direitos e garantias para pessoas suspeitas de terem praticado um crime isso muda.
Já Podval diz que o artigo reflete um pouco a realidade, em um momento em que "a magistratura está enfraquecida". Para ele, o Ministério Público se sobressai em muitos casos. No entanto, critica o papel da Polícia Federal sob a gestão de Thomaz Bastos:
- O engraçado é que essa discussão ganhou força no momento em que ele estava no governo, no comando do Ministério da Justiça. Naquele momento, a PF invadia escritórios de advocacia. Ações que podemos chamar também de publicitárias contra advogados.
Em corrente de e-mails, os advogados de réus do mensalão elogiaram o texto de Thomaz Bastos:
"Dificilmente eu poderia encontrar uma maneira de dizer como ainda é possível acreditar no homem, na nossa luta, no Direito, enfim continuar acreditando que vale a pena,como mandando para vocês esse primoroso texto do Márcio. Creio que este texto deve ser repercutido nas seccionais, nos escritórios, nas nossas conversas", escreveu Antônio de Carlos Almeida Castro, o Kakay, advogado de Duda Mendonça.
José Carlos Dias, advogado de Kátia Rabello , ex-presidente do Banco Rural, disse: "O texto do Márcio é magnífico. Deveria ser transformado num manifesto, numa carta dos advogados criminais".
Fonte: O Globo
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