- O Globo
Eduardo Paes reconheceu, numa entrevista ao “Guardian”, que a Olimpíada é uma oportunidade perdida. Crise econômica, corrupção, violência urbana, vamos nos mostrar ao mundo num momento de grande fragilidade. Foi bom que aceitasse algo que repisamos há muito tempo. Ele mencionou a sucessão de problemas como se fossem fatos naturais, acontecendo em sequência.
Esqueceu de falar da visão megalomaníaca dos dirigentes da época e dos seus profundos erros que nos colocaram nessa situação de hoje. Mas, no momento, isso é secundário. A Olimpíada já está aí, o país embarcou nela: não há retorno. A única saída que nos resta é uma política de contenção de danos, uma tentativa de evitar que o desgaste seja tão grande.
É um objetivo mais modesto, defensivo. No momento, não me parece impossível, desde que se concentre nas questões básicas. A segurança que é um problema cotidiano no Rio pode ser aliviada com a presença das tropas federais. A experiência mostrou isso a partir da Conferência Rio-92.
Todos os grandes eventos internacionais foram realizados sem grandes incidentes no Rio. Embora a situação da polícia seja mais delicada no momento, a presença de tropas federais representa um importante fator psicológico. Ela tende a transmitir a sensação de segurança e desencorajar ações criminosas de maior amplitude. Outro tema que pode nos dar algum alívio: telecomunicações.
Embora as conexões no Brasil não sejam grandes coisas, comparadas com o Japão, por exemplo, a tecnologia e a infra existentes podem garantir um resultado satisfatório. Resta a mobilidade urbana, que motivou um grande número de obras. Uma das principais, a linha 4 do metrô, talvez seja concluída a duras penas. Será preciso mais tempo e dinheiro para transformá-la num legado durável. Um dos problemas mais sérios é a quebradeira do estado.
Todo o serviço de saúde pública, inclusive hospitais de referência, está em crise. Como a crise na saúde é antiga, nos momentos mais graves a solução de emergência que existia era usar leitos dos hospitais particulares. Num certo momento, como nos surtos de dengue, isso funcionou, como escape, mas o governo deixou de pagar aos hospitais, perdendo sua credibilidade. Aí está um problema que existe também em relação aos outros serviços públicos. Além de sua decadência material, não se pagam com regularidade os funcionários. Um dos grandes desgastes que o Rio viveu foi a manifestação de policiais no Galeão. Seu cartaz de protesto dizia: “bem-vindos ao inferno”. Uma ação desse tipo atinge um pequeno número de turistas desembarcando. Mas a imagem que corre o mundo expressa com muita clareza a dimensão do nosso drama. O Brasil se lançou, através dos dirigentes delirantes, numa aventura global: atrair a Olimpíada e mostrar não só a prosperidade mas nosso crescente nível de organização.
Considerada a porta de entrada e símbolo do Brasil no exterior, o Rio de Janeiro era uma visão do paraíso. É uma grande surpresa para quem não acompanha os fatos no país deparar-se com um cartaz dos próprios policiais nativos afirmando que aqui é o inferno. Esse episódio é apenas uma demonstração de que, como os governantes que trouxeram a Olimpíada, por seu erro de avaliação, conseguiram o resultado simetricamente oposto ao que projetaram. O calote nos funcionários é o dado inquietante. Precisa ser resolvido para que uma política de redução de danos seja bem-sucedida. Existem críticas na sociedade, mas existe também uma grande vontade de ajudar, encarnada pelo volume e disposição dos voluntários. A boa vontade das pessoas, mesmo nesse episódio de delírio do poder, é a grande esperança de êxito numa política de contenção de danos.
Se, depois de tudo, a Olimpíada transcorrer normalmente — isso é o termômetro de seu êxito como evento esportivo — já será uma grande vitória. Um tipo de vitória que aumenta a autoestima para enfrentar os novos e difíceis tempos pós-Olimpíada. Se a sociedade conseguir neutralizar os estragos de uma decisão delirante, terá cumprido um excelente papel e, quem sabe, pode até estimular a modéstia de seus futuros governantes. As críticas continuam válidas, tanto que o próprio Eduardo Paes, um dos mais otimistas, reconheceu que vivemos um momento péssimo para realizar Olimpíada. Mas na vida, como na política, existem os fatos consumados. Diante deles, a fase da revolta, da negação, acaba dando lugar a um ajuste com a realidade.
A Olimpíada está aí. A imagem do país e da cidade já sofreu muito com a decisão equivocada. Agora, é necessário desejar que seja um êxito esportivo, sem incidentes. Quem sabe o Brasil possa demonstrar através dela que viveu uma grande crise, foi ao fundo do poço, e começa agora o longo caminho da reconstrução. Isso é inteligível não só pelos atletas que vivem fases diferentes em suas vidas. Não passaremos a imagem de um país poderoso e eficaz, como se queria no passado. Mas mostraremos que, mesmo apesar de um desastre econômico, político e moral, demos a volta por cima e terminamos a prova como aqueles atletas de maratona: com a língua de fora, quase desmaiando. Mas chegam.
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