terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar é sepultado entre versos

• Emoção marcou despedida do poeta maranhense, que foi homenageado por amigos

- O Globo

Textos do poeta Ferreira Gullar, morto domingo aos 86 anos, foram lidos em seu velório e enterro, ontem, no Rio. “Eu deixarei o mundo com fúria/ Não importa o que aparentemente aconteça,/ se docemente me retiro”. Os versos do poema “Despedida”, de Ferreira Gullar, escritos à mão numa cartolina, recebiam os visitantes ilustres e anônimos que foram ao velório do poeta maranhense, ontem, na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Centro do Rio. Gullar, que ocupava a cadeira número 37 da instituição, morreu na manhã de domingo, aos 86 anos, vítima de pneumonia.

Entre os presentes, diversos colegas acadêmicos como Nélida Piñon, Zuenir Ventura, Marco Lucchesi, Rosiska Darcy de Oliveira, e Cícero Sandroni, além do presidente da ABL, Domício Proença Filho. Os ministros da Cultura, Roberto Freire, e das Relações Exteriores, José Serra, também participaram da cerimônia. Muito emocionada, Íris, neta do poeta, lembrou da intimidade do avô, a quem descreveu como um homem “simples, que dava conselhos, cuidadoso e que tinha uma inspiração que tocou a todos nós”.

— Quando chegávamos à sua casa, ele mostrava os recortes em que estava trabalhando. Tinha um olhar de menino que ficará no nosso coração — disse ela, que declamou os versos que Gullar escreveu para “O trenzinho do caipira”, de Villa-Lobos: “Lá vai o trem com o menino/ Lá vai a vida a rodar/ Lá vai ciranda e destino/ Pro dia novo encontrar”.

“ESPÍRITO DE MOLEQUE”
No sepultamento, realizado ontem à tarde no mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, a música foi novamente cantada. Gullar foi enterrado no dia em que completaria dois anos de posse na Academia. No mausoléu, o poeta ficará ao lado de outro gênio, João Cabral de Melo Neto.

Em um discurso emocionado, o crítico e editor Leonel Kaz lembrou sua amizade de mais de quatro décadas com o poeta e as conversas semanais que mantinham por telefone.

— Era a oportunidade de abrir a cortina de cabelos e ouvir aquela voz, a temperança, a fibra, a integridade. O que me fascinava era a capacidade de Gullar se reinventar na arte, na política e na poética — disse Kaz. Ao que Nélida Piñon completou: — E na humanidade. Proença Filho comentou que, apesar de sua resistência em se candidatar à ABL, o poeta estava muito à vontade entre os colegas imortais:

— Ele era o “último dos moicanos” até agora, até que apareça alguém que tenha o mesmo tipo de marca. Alguns poetas vêm e marcam presença. Os grandes ícones se transformam no que chamo de “poetas-marco”: Drummond, Bandeira, Cecília, Jorge de Lima.

A cantora e compositora Adriana Calcanhotto destacou que, apesar de ser um octogenário, Gullar manteve um “espírito de moleque”.

— Ele não se apegava ao que fazia. Tinha um espírito de moleque. Quando ligava pra ele, ele dava um “alô” de dar medo. Acho uma pena não ter mais o Gullar na TV, dando entrevistas.

O cantor Fagner, parceiro do poeta, lamentou a perda:
— Falei com ele um mês atrás, e ele parecia bem, animado. Gullar foi um resistente, transformou todo o sofrimento em poesia. Hoje o céu chora.

Veja o vídeo do JN

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