- Valor Econômico
Vinculação com o futuro do governo preocupa oficiais
Viceja, entre militares, um sentimento misto em relação ao governo que terá início em janeiro. As derrotas do PT e do PSDB nas últimas eleições foram comemoradas. Ainda está na memória da cúpula militar o comentário do então presidente Fernando Henrique Cardoso: "As Forças Armadas são um mal necessário". O retorno de integrantes da ativa e da reserva ao centro do poder federal, depois da redemocratização, porém, tornou-se um fator de preocupação para alas importantes do alto escalão militar.
Oficiais temem que a imagem das Forças Armadas seja atrelada ao futuro do governo Jair Bolsonaro, e preparam uma estratégia para proteger a instituição. A chamada "política do grande muro" deve chegar ao fim.
O "grande muro" foi erguido após o fim da ditadura, em um momento em que os militares deixavam o Palácio do Planalto, ministérios, empresas estatais, em meio à euforia popular com o retorno dos civis ao comando do Executivo. De volta aos quartéis, eles optaram por trabalhar para dentro, protegidos por biombos concebidos para evitar exposições desnecessárias e garantir a proteção contra críticas aos vinte anos de governos militares e às consequências desse protagonismo para a política e a economia do país.
Desde então, enfrentaram, sem fazer grande estardalhaço, a desvalorização de seus vencimentos, a redução de seus orçamentos e o sucateamento dos seus equipamentos. Esse período de vicissitudes, nas palavras de um oficial, contribuiu para as Forças Armadas desenvolverem algumas das características que já eram tradicionalmente caras à carreira: o adestramento, mesmo que com parcos recursos, o respeito à hierarquia e a formação acadêmica de seus integrantes.
Sobram histórias, contadas hoje como exemplos de superação, de exercícios feitos sem recursos. Tijolos eram colocados em mochilas para simular o peso do equipamento verdadeiro, veículos foram desenhados no chão a giz para representar o teatro de guerra.
Deu certo. As Forças Armadas chegaram ao mais recente período eleitoral como a instituição mais respeitada do país. Segundo pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha em junho de 2018, entre dez instituições, as Forças Armadas foram avaliadas como a mais confiável, ficando à frente de órgãos da Justiça, do Ministério Público, empresários e, claro, do Congresso Nacional e da Presidência da República. Um ativo moral que ninguém gostaria de perder.
Em meados do ano passado, militares da reserva jogaram-se com tudo na campanha de Bolsonaro. Como resultado, num governo encabeçado por um partido e uma aliança eleitoral sem quadros, coube então em grande parte a eles a formulação dos programas e das políticas públicas que agora devem ser colocados em prática. Naturalmente, os mesmos passaram a ser indicados para ocupar parcela relevante do primeiro escalão e outros cargos estratégicos da máquina estatal.
Com isso, na visão de militares, o desconhecido, fator sempre gerador de desconfortáveis incertezas, não é hoje causado pelas dúvidas em relação ao prestígio que as Forças Armadas terão no próximo governo. O próprio presidente eleito Jair Bolsonaro, capitão da reserva, já avisou que Exército, Marinha e Aeronáutica receberão mais recursos e terão seus projetos prioritários contemplados. Os militares também conseguiram do futuro governo a sinalização de que eventuais mudanças nos seus mecanismos previdenciários devem ser conduzidas em conjunto com medidas que reestruturem - e valorizem - a carreira.
O desconhecido é justamente os resultados que o governo Bolsonaro entregará à população e como o eleitor avaliará um presidente que faz questão de relacionar sua pessoa à caserna, as tradições e ao gestual militar.
Várias frentes de batalha foram iniciadas, no momento em que estava em disputa a própria vitória na eleição presidencial, explicam militares sem deixar de lado os jargões típicos da área. Mas todas elas devem dar espaço agora para que o governo consiga atacar, de forma prioritária, a economia e possa garantir a recuperação da atividade e do emprego. Mesmo que isso exija, como aconselhou Maquiavel, fazer o mal de uma só vez para depois poder ir fazendo o bem aos poucos.
Essa preocupação dos militares não é de hoje. A exposição das Forças Armadas e os perigos à credibilidade da instituição também são citados como fatores de risco resultantes da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Primeiro porque a intervenção foi feita colocando as tropas e seus comandantes em evidência, deixando o governador fluminense, hoje preso depois de ser acusado de estar envolvido em irregularidades, a salvo de questionamentos sobre uma área crítica do Estado.
Enquanto isso, o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e seu motorista tornou-se um assunto central quando se discute os resultados obtidos na segurança no Rio. Autoridades esperam anunciar a solução do caso antes do término da intervenção, agendado para o fim do mês.
Já os resultados do futuro governo permanecerão incertos, assim como os efeitos que ele terá na imagem das Forças Armadas, das autoridades civis que participarão da administração Bolsonaro e dos partidos políticos que integrarão a base aliada. Justamente por isso uma característica do ministério não deve passar despercebida: Bolsonaro decidiu alocar militares em áreas fundamentais para a gestão do governo e a execução de obras, mas, por outro lado, nomeará civis para responder por áreas sensíveis à opinião pública, como a educação, a saúde e a segurança pública.
Outro foco de atenção será a oposição a ser feita pelos partidos de esquerda, sobretudo pelo PT. Entre militares, acredita-se, restará ao Partido dos Trabalhadores para garantir sua própria sobrevivência a realização de uma oposição ferrenha ao governo. A reunião do partido feita no fim de semana demonstra que a sigla não tem a intenção de fazer uma autocrítica que a coloque em uma posição defensiva.
Não ficou claro se a oposição ao governo será feita de forma simbólica contra a figura do militar no poder. O que é dado como certo nos quartéis, porém, é que inevitavelmente militares e sociedade civil deverão começar a transpor o alto muro que ainda os aparta.
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