“A dicotomia PT contra Bolsonaro faz parecer que ou se está com um, ou com outro, e torna ideologicamente inclassificável um imenso grupo de pessoas. Quando não temos uma palavra para chamar uma coisa, é como se ela não existisse. O roubo do termo liberal pela direita, que muito interessa à esquerda, cala uma voz e implanta confusão. Ninguém se entende, porque diferenças não são percebidas. E quando alguém faz um discurso mais claro, afastando-se de ambos os grupos, logo alguém saca: ‘isentão’.
Isento, não. Diferente. Muito diferente. O sequestro da palavra faz com que grupos que não concordam em quase nada pareçam estar próximos. E desta imensa bagunça, no qual o nome das ideologias é propositalmente confundido, nasce o caldo de cultura em que fake news podem se proliferar.
Temos um problema de má classificação. Há três conjuntos de ideias disputando espaço, os três incompatíveis entre si. A polarização está confundindo o debate, e num debate político confuso nunca se sabe com precisão o que é que cada um pensa.
Quando as ideias não são claras, qualquer notícia falsa tem a chance de colar. Democracia, aquele regime cujo sobrenome é ‘liberal’, só funciona quando o debate é claro. E é da confusão de diagnósticos que nascem soluções irreais, aquele atalho para o autoritarismo.”
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Pedro Doria: ‘2018, o ano da mentira’, O Globo, 28/12/2018
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