Após interferências em projeto sobre armas e em pacote anticrime, ministro teve que demitir especialista por decisão do presidente
- Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Dois meses após tomar posse com status de superministro, Sergio Moro já coleciona derrotas e recuos que foi obrigado a fazer publicamente após contraordens do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).
O ministro da Justiça e Segurança Pública aceitou deixar a carreira de juiz federal para assumir a pasta sob o argumento de que estava "cansado de tomar bola nas costas". Mas, em 60 dias de governo, tem enfrentado problemas parecidos.
A última delas ocorreu nesta quinta-feira (28), quando o ministro da Justiça teve de voltar atrás, a contragosto, na nomeação da especialista em segurança pública Ilona Szabó. Ele a havia indicado para ser membro suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Antes desse caso, Moro já havia se deparado com outros episódios de constrangimento, o que tem gerado desgaste e irritado o ministro. Moro, segundo assessores próximos, passou a quinta-feira de cara fechada.
Logo nos primeiros dias no cargo, Moro recebeu a missão de concretizar mudanças na legislação para dar aos cidadãos mais acesso à posse de armas, bandeira de Bolsonaro durante a campanha presidencial do ano passado.
Desde o começo, o ministro tentara se desvincular da autoria da ideia, ao dizer nos bastidores que apenas estava cumprindo ordens do presidente.
Na elaboração do decreto, que foi publicado em janeiro, algumas de suas sugestões foram ignoradas, como o número de armas que poderia ser registrado por pessoa —ele defendeu que tinham que ser apenas duas e não quatro, como acabou estabelecido no decreto sobre o assunto.
Em outro caso, o ministro viu o governo interferir naquilo que mais se dedicou desde a posse, seu pacote anticrime, que reúne projetos de leis apresentados ao Congresso em fevereiro.
Entre as medidas, Moro incluiu a criminalização do caixa dois. Dias depois, no entanto, soube que, por decisão do Palácio do Planalto, o tema iria tramitar separadamente do restante das propostas, que incluem mudanças na legislação sobre crime organizado, corrupção e tráfico de drogas.
A ideia de tirar a criminalização do caixa dois do texto principal visou atenuar a resistência de parlamentares e acabou expondo Moro por confrontar seu discurso de ministro em relação ao de juiz.
Como juiz, Moro enfatizava a gravidade do caixa dois. "Muitas vezes [o caixa dois] é visto como um ilícito menor, mas é trapaça numa eleição", afirmou em agosto de 2016.
Como ministro de Bolsonaro, diante da decisão de separar a proposta de criminalização do projeto principal, Moro afirmou ter atendido à queixa de alguns políticos de que "o caixa dois é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, crime organizado e crimes violentos".
Mesmo quando não teve de recuar, o ministro da Justiça e Segurança Pública deu sinais de fragilidade quando a palavra do presidente foi mais forte do que a dele, como no escândalo revelado pela Folha sobre candidaturas de laranjas do PSL, partido de Bolsonaro.
Enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a Polícia Federal iria investigar se "houvesse necessidade" e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema —que resultou na queda do ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), que presidiu o PSL nas eleições.
No episódio de Ilona Szabó (que é colunista da Folha), o ministro ainda teve de acompanhar declarações públicas que explicitaram sua derrota, como entrevistas da especialista e mensagens dos filhos do presidente da República.
“Meu ponto de vista é como essa Ilana Szabó aceita fazer parte do governo Bolsonaro. É muita cara de pau junto com uma vontade louca de sabotar, só pode”, escreveu o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), filho de Jair Bolsonaro, em uma rede social.
O próprio Ministério da Justiça admitiu a derrota por meio de nota à imprensa.
"Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas", disse o comunicado.
Mesmo com o recuo, Moro defendeu o convite que havia feito dizendo na nota que foi motivado “pelos relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública e igualmente pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto Igarapé”.
Ilona Szabó caiu porque é contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas, política do governo Bolsonaro. Também já criticou em artigo o pacote anticrime de Moro, ao considerar preocupantes, entre outras coisas, as medidas que tendem a ampliar o direito à legítima defesa.
“O sentimento é o de que quem ganha é a polarização, perde a pluralidade e o debate de ideias, tão fundamentais numa democracia”, disse a especialista à Folha.
TRATORADAS
As “tratoradas” de Bolsonaro não atingem apenas Moro, no entanto. Diferentes ministros já foram derrotados e tiveram que anunciar recuos, como Gustavo Bebianno, que comandou a Secretaria-Geral da Presidência e foi demitido após o escândalo das candidaturas de laranjas.
Em áudios vazados publicados pela revista Veja, por exemplo, Bolsonaro mandou uma mensagem a Bebianno para cancelar uma viagem dele e de outros ministros que já estava marcada para a Amazônia.
Paulo Guedes (Economia), que também entrou com status de superministro, é outro que já teve contratempos com o Planalto. O principal deles envolve a reforma da Previdência. O presidente afirmou nesta quinta (28) que o governo pode alterar a proposta de idade mínima para mulheres de 62 anos para 60 anos.
RECUOS E DERROTAS DO SUPERMINISTRO
Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro da Justiça. Disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar "cansado de tomar bola nas costas". Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro
Decreto das armas
Seu primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve sua sugestão ignorada de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro
Laranjas
No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema
Caixa dois
Por ordem do Palácio do Planalto, a proposta de criminalização do caixa dois, elaborada pelo ministro da Justiça, vai tramitar separadamente do restante do projeto anticrime
Ilona Szabó
Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro
Fracassos na Esplanada
Outros ministros também tiveram derrotas e tiveram que anunciar recuos publicamente. Gustavo Bebianno, ex-Secretaria-Geral da Presidência, e Paulo Guedes, da Economia
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