sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Reinaldo Azevedo - Moro é erro velho do 'Feitiço do Tempo'

Folha de S. Paulo

Na origem da postulação do ex-juiz, está a ideia já testada, com resultados desastrosos, do 'outsider' redentor

Como é? Sergio Moro, em passagem pelo Brasil, vindo dos EUA, onde mora, para decidir se vai se candidatar à Presidência ou ao Senado por São Paulo? Ele sabe onde ficam Dois Córregos ou Botucatu? E se percebe, quase sem exceções, uma imprensa lhana, mansa, condescendente com as suas pretensões. Alguns avançam no terreno do entusiasmo.

“Ah, lá vai o Reinaldo Azevedo pegar no pé de Moro de novo!!!” Conheço essa e outras tentativas de desqualificação desde que, já no fim de 2014, percebi que se preparava, ainda que não houvesse um núcleo organizado para isto, o berço do herói. Como jamais confundi juiz com justiceiro, penso ter feito o meu trabalho e realizado o desiderato de minha profissão. O papel de um juiz é aplicar a lei, não produzir bugigangas ideológicas.

É claro que já foi mais difícil criticar a atuação de Moro. Depois das revelações da Vaza Jato, no notável trabalho jornalístico do The Intercept Brasil, com dados adicionais da Operação Spoofing, as pessoas minimamente comprometidas com o Estado de Direto e com o devido processo legal se deram conta: não era possível coonestar aquelas práticas, a menos que o vale-tudo, em nome de noções solipsistas de justiça, tomasse o Judiciário, e as togas se convertessem em uniformes de milicianos judiciais.

Será que tenho receio de que Moro possa se transformar no nome da terceira via? Dedicarei poucas linhas à hipótese. Se candidatos a candidato a essa posição que aqui militam —e expliquei na coluna passada por que a tese da polarização é pura projeção mental— já enfrentam severas dificuldades, penso na destreza que teria o ex-juiz para aclarar suas pretensões. Risível.

Meu ponto não é esse. O que me incomoda é perceber quão pouco os fatos ensinaram a pedaços consideráveis da, vá lá, elite política. Moro era um juiz desde sempre incompetente para as causas que atraiu para a 13ª Vara Federal de Curitiba. Essa era a minha tese desde sempre. A suspeição para julgar Lula ficou escancaradamente demonstrada.

Moro aceitou ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro sete meses depois de ter expedido a ordem de prisão de Lula e, no cargo, achou que poderia pavimentar a avenida para sua carreira política à revelia do próprio chefe, que, de fato, por vários motivos, ajudara a eleger.

Não me dispenso de lembrar a sua obra mais notável como auxiliar de Bolsonaro: condescender com os decretos armamentistas e defender um pacote anticrime que conseguia ser ainda mais reacionário do que as pretensões do ogro que ocupa o Planalto. Foi a Câmara que limou as aberrações por ele propostas, como excludente de ilicitude. Bolsonaro tomou uma única decisão virtuosa em quase três anos na Presidência: ignorou as sugestões de veto feitas por seu ministro da Justiça.

Interrompido o voo solo, foi ser sócio —depois apenas “consultor”— da empresa encarregada da recuperação judicial da Odebrecht. Santo Deus! Parecem os traços de uma caricatura, mas se trata apenas da reprodução seca e objetiva do que aconteceu. Mora hoje nos EUA. Não tem vivência política ou partidária no país. Antes de ser defenestrado por Bolsonaro, diga-se, seu nome era um dos mais incensados nas manifestações golpistas.

Moro se encontrou com João Doria e Luiz Henrique Mandetta, candidatos a nomes da terceira via. Parece a figura ideal como apoio a um aspirante a candidato nem-nem: afinal, seria uma arma contra Bolsonaro e contra Lula. Eis a esperança do cruzamento virtuoso da vaca com o jumento: puxaria carroça e daria muito leite. Não sou “coach” de terceira via. Mas pergunto: e se não fizer nem uma coisa nem outra, como é mais provável?

Aspirante ao Senado por São Paulo? Já falsificou, ao menos, o domicílio eleitoral? Voltamos à República Velha, ou se tenta uma espécie de senador biônico pela via eleitoral? Tanto pior se der certo.

Reparem: na origem das postulações, está a ideia já testada, com resultados desastrosos, do “outsider” redentor: aquele que, por não pertencer ao establishment político, poderia contribuir para salvar o Brasil.

Que coisa, valentes! Cometam ao menos erros novos! Saiam do “Feitiço do Tempo”!

 

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