quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Jorge Arbache*: Para uma recuperação mais sustentada

Valor Econômico

Quem melhor otimizar as ações de recuperação econômica, já com um olhar prospectivo, se sairá melhor da crise

As economias da América Latina e Caribe (ALC) estão perdendo fôlego após uma forte retomada no ano passado. Impulsionado pela recuperação dos principais parceiros comerciais, aumento dos preços das commodities e pelas condições favoráveis de financiamento externo, estima-se que o crescimento na região tenha sido de cerca de 7% em 2021. Os avanços na vacinação e medidas de apoio fiscal também ajudam a explicar aquele crescimento.

Mas estimavas recentes indicam que o crescimento em 2022 cairá para 2,5% ou menos, refletindo a perda de fôlego da economia chinesa, rupturas nas cadeias de suprimentos, elevação da inflação, emergência da variante ômicron, novas incertezas quanto ao fim da pandemia, o eventual aperto da política monetária nos Estados Unidos, dentre outros fatores, incluindo os específicos de cada país.

Em vista disto, e considerando o aumento da pobreza e da desigualdade na região nos últimos anos, as autoridades terão que elaborar estratégias de recuperação econômica que promovam a volta rápida do crescimento. Mas que políticas públicas os governos deveriam implementar?

A esta altura em que o espaço fiscal já está bastante limitado em vários países da região em razão das políticas anticíclicas, a chave será mirar atividades privadas que combinem elevado retorno econômico com elevado retorno social e que sejam capazes de dar resultados em prazos relativamente curtos e a custos relativamente baixos de forma a pavimentar um ciclo virtuoso de crescimento.

Com esse propósito, as políticas poderiam mirar mercados relativamente novos, que têm menos amarras e rigidezes próprios de mercados já maduros, concentrados e segmentados, novos modelos de negócios e atividades inovadoras e em rápida ascensão, bem como atividades com cadeias locais de valor potencialmente longas, atividades mais resilientes e atividades que tenham maior potencial de atração de investimentos e de inserção em cadeias globais de valor. De fato, programas de recuperação econômica são uma oportunidade para que governos e setor privado possam redirecionar esforços em favor de setores de alto potencial de crescimento com uma visão pragmática e com foco em sustentabilidade.

O leque de atividades varia de acordo com o país, mas é possível mencionar algumas que têm alcance regional ou sub-regional. Considere, para iniciar, o mercado de carbono. A região tem o mais elevado potencial para oferecer soluções baseadas na natureza num mercado que se estima chegará à casa dos trilhões de dólares. Países da região amazônica, por exemplo, têm diante de si enormes oportunidades para participar daqueles mercados com protagonismo, promovendo um sem número de projetos, participando do desenvolvimento de novas soluções e tecnologias e atraindo recursos e investimentos de alta qualidade e de longo prazo de maturação. Para avançar, será necessário garantir a integridade dos créditos, fortalecer as cadeias de valor internas e garantir um pipeline de projetos.

Pense, agora, nas oportunidades do comércio eletrônico e da digitalização. O e-commerce, que já vem crescendo rapidamente, poderá crescer ainda mais com reformas legais e normativas que simplifiquem e viabilizem o comércio transfronteiriço e sistematizem e harmonizem procedimentos, bem como promovam infraestruturas físicas e não físicas que facilitem o aumento do comércio e atraiam investimentos. Já a digitalização de empresas permitirá maior acesso a mercados, redução de custos e uso de ferramentas tecnológicas avançadas que, ao fim e ao cabo, contribuirão para explorar o imenso potencial associado ao “copo meio vazio” da baixa produtividade.

Pense, também, nas oportunidades do nearshoring, qual seja, o traslado para países da região com custos baixos de mão de obra e outras condições favoráveis de empresas americanas operando especialmente desde a Ásia e voltados para os mercados americanos, movimento que beneficiaria notadamente os países da América Central e Caribe.

Mas para aproveitar o imenso potencial de entrada no maior mercado do mundo seriam necessários regimes especiais de promoção de investimentos e exportação, simplificação burocrática, harmonização regulatória, investimentos logísticos, ajustes normativos de regras de origem, regulação para a relação entre zonas francas e o território aduaneiro nacional, dentre outros que possam dar vazão à formação de competências, geração de muitos empregos formais e novos negócios.

Uma outra oportunidade é a formação e o fortalecimento de cadeias de valor de alimentos processados e de cadeias de valor de minerais como, por exemplo, o lítio para uso no crescente mercado de baterias. Trata-se de industrializar commodities a partir de vantagens comparativas e competitivas já presentes na região. Para tanto, seriam necessários ajustes regulatórios e tributários, investimentos logísticos, apoio à provisão de serviços técnicos especializados, dentre outros elos da cadeia de valor.

Finalmente, considere atividades associadas à economia criativa, como entretenimento, arte e design, bem como atividades de atenção pessoal, como saúde, serviços de bem-estar e estilo de vida. Trata-se de ocupações que requerem muitas qualificações profissionais e talentos que abundam na região, são personalizados e pouco ou nada automatizáveis e, portanto, têm alto impacto potencial na geração de emprego e renda. Para tanto, requer-se o desenvolvimento e o aprimoramento institucional de aspectos direta ou indiretamente envolvidos com os mercados, melhoria da governança e coordenação de políticas e atores, de tal forma a dar vazão às atividades e à formação e expansão de mercados.

Embora cada um dos exemplos acima requeira políticas e medidas específicas, algumas são de alcance transversal, como capacitação, apoio a empreendedorismo e à internacionalização de empresas e medidas que apoiem o investimento e o fortalecimento de empresas novas com alto potencial competitivo e de mercado, incluindo programas financeiros e aceleradores direcionados a negócios. Os países que melhor souberem otimizar e potencializar as ações de recuperação econômica já com um olhar prospectivo se sairão melhor da crise, gerarão mais empregos e, provavelmente, crescerão de forma mais sustentada.

*Jorge Arbache é vice-presidente de setor privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) 

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