sábado, 23 de abril de 2022

Carlos Alberto Sardenberg: Haja desafios

O Globo

O Brasil avança no processo eleitoral num momento particularmente desafiador para o mundo todo. Há mudanças substanciais na política e na economia. Algumas estavam em andamento antes da pandemia e da invasão da Ucrânia, mas esses dois últimos eventos mudaram o curso da História. Não será fácil para ninguém, mas será pior aqui.

O Fundo Monetário Internacional acaba de publicar seu Panorama Econômico, que pode ser assim resumido: mais inflação e menos crescimento, em todos os países.

Só por aí já se poderia ver que o quadro é estranho: se há muita inflação, isso deveria ser resultado de, digamos, um excesso de crescimento. E isso seria corrigido pela ação dos bancos centrais, que, elevando juros, poriam freio no crescimento e, pois, na inflação. Haveria menos crescimento, mas, em compensação, menos inflação. Teremos, entretanto, mais inflação com menos crescimento.

E não é apenas inflação. Os índices batem recordes históricos. Na Inglaterra, a inflação anual saltou para 7% em março, a maior em 30 anos. Na Alemanha, foi para 7,3%, índice mais alto em 40. Para o mundo, o FMI prevê inflação de 7,4% neste ano, quase o dobro da projeção anterior.

A pandemia foi recessiva. A reação dos governos — gastar montanhas de dinheiro para apoiar cidadãos e empresas — e dos bancos centrais — calibrando juros baixíssimos, estimuladores da tomada de empréstimos — foi providencial em determinado momento, mas, sim, gerou inflação. Hoje, os bancos centrais estão elevando juros, e os governos reduzindo estímulos.

Apareceu outra inflação quando a pandemia arrefeceu. A economia voltou a funcionar, mas, como fábricas e serviços tinham sido paralisados, as cadeias produtivas não deram conta de abastecer o mundo. Faltaram produtos e insumos, preços subiram. Quando parecia que as coisas poderiam se arrumar, a invasão da Ucrânia pela Rússia trouxe outra inflação: de combustíveis e alimentos.

São, portanto, três causas bem diferentes de alta nos preços. Dá-lhe juros. Mas quanto será suficiente? A tempo? Fato político decorrente: populações insatisfeitas no mundo todo.

Para a expansão do PIB global neste ano, o FMI espera 3,6% — uma forte desaceleração em relação aos 6,1% obtidos em 2021. A recuperação pós-pandemia foi abortada. E para 2023? Vai saber. O Fundo prevê que o crescimento continuará muito baixo, assim meio no chute. Não se sabe o desfecho da guerra para a geopolítica global, e não se sabe se as políticas anti-inflacionárias funcionarão.

Combustível caro, alimentos pela hora da morte, juros na lua — eis um coquetel explosivo. Coloque o Brasil nesse panorama: como todos, temos inflação muito alta, juros subindo e crescimento desacelarando em relação ao ano passado. Mas temos mais — para pior. No lado do governo, pode-se dizer que, funcionando mesmo com dignidade, está o Banco Central. Mas não poucos observadores notam que o BC também pode ter perdido o tempo para iniciar a alta de juros. O resultado é que a inflação dura mais — pesando mais para os pobres —, e os juros terão de ser mais elevados, bom para os rentistas, ruim para o resto.

Além disso, o governo é um desastre. Não tem política de energia (exceto trocar presidentes da Petrobras) e não faz a menor ideia de como retomar o crescimento. Na oposição, o líder, Lula, enfileira velhas ideias que levaram à recessão com inflação — um espanto! — e com o Estado saqueado. Nenhum lado sabe onde o Brasil deve se colocar no quadro global. Precisamos urgentemente de ideias e líderes.


Lava-Jato

O Superior Tribunal de Justiça confirmou nesta semana a condenação de José Dirceu a 27 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Sabe de onde vem o processo? Pois é, tem um restinho de Lava-Jato por aí.

A condenação foi em terceira instância, mas, como o STF derrubou a prisão em segunda instância, Dirceu fica livre enquanto tiver recursos. E deve ter melhor sorte no STF.

 

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