sábado, 23 de abril de 2022

Dora Kramer: Menor esforço

Revista Veja

O centro teve tempo, mas não teve vontade real de investir na luta pela Presidência

Falta menos de um mês para o anúncio, em 18 de maio, do nome que concorrerá à Presidência da República como representante dos partidos de centro para tentar furar o bloqueio do antagonismo entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva. Até agora nada se viu que indique o sucesso da empreitada.

Se a tentativa de fato fracassar, terá sido por morte matada. E não por ação dos adversários líderes nas pesquisas, mas por inação dos próprios arquitetos, que hoje já parecem mais demolidores incidentais que construtores com empenho real de pôr em pé a obra.

Lula e Bolsonaro mal tomaram conhecimento das movimentações da chamada terceira via, a não ser para de vez em quando desdenhar. Portanto, se o malogro vier, não terá sido por responsabilidade deles. Não fizeram um gesto que possa ser visto como destruidor, até por falta de algo a ser demolido, pois nada de consistente foi construído.

Não por falta de tempo nem de condições objetivas. O tema terceira via está na pauta da política há pelo menos uns dois anos, se não mais. As conversações em torno dele chegaram a indicar uma possibilidade de êxito, por dois motivos principais.

Primeiro, diferentemente de 2018, quando Lula estava fora do jogo e ninguém fazia fé na vitória de Bolsonaro, o centro começou a se mexer, conversar e se articular para competir. Em segundo lugar, a certa altura, as rejeições do presidente e do petista em tese criavam uma avenida alternativa de bom tamanho. O atrativo do caminho fez surgir uma grande quantidade de pretendentes. De Luciano Huck a Henrique Mandetta, passando por Cabo Daciolo, João Amoêdo, Rodrigo Pacheco e mais uma série na qual o mais vistoso era o onipresente e onisciente João Doria. Foram caindo por desistência um a um até que Sergio Moro, depois de ir e vir, acabou indo. Ou tentando ir. Ciro Gomes foi desde o começo e parece disposto a ficar até o fim.

Como surgiram, vários nomes sumiram. Do nada, sem maiores justificativas, a não ser razões pessoais/profissionais e alegações vagas sobre desempenho fraco nas pesquisas. É de se perguntar: desempenho baseado no quê? Nesse tempo todo falou-se, e continua se falando, em buscar “quem”, mas não se investiu em dizer à sociedade o que mesmo esse pessoal pensava em fazer com o Brasil.

Impedir a reeleição de Bolsonaro e interditar a volta de Lula ao poder pareceu pouco ao país, que, pelo visto até agora, preferiu se acomodar no já conhecido, no menos repelido de acordo com o gosto do freguês e, assim, deixar que a disputa pela Presidência do Brasil se resuma a uma briga de torcidas.

Chegamos a menos de trinta dias de saber quem, afinal, vai para o embate, sem unidade interna nos partidos integrantes do grupo e com o seguinte cardápio: Doria, Eduardo Leite, Simone Tebet, Luciano Bivar e uma tentativa de levar Ciro à mesa sob o argumento de que, sozinho, ele não chegará a lugar algum. Resta saber aonde iria ou irá, caso adira a uma parceria na qual não é bem-visto pela forma nem pelo conteúdo.

Candidaturas a chefes de governo não são fruto de geração espontânea. Ainda quando parecem improvisadas, voluntariosas e instintivas, resultam de trabalho árduo. Requerem ações meticulosas, persistência, desprendimento, investimento pesado, faro fino para o movimento dos ventos, união de forças, gigantesca vontade de vencer e, sobretudo, marca. A existência de uma ou mais ideias-força é essencial para abrir caminho rumo à emoção e à razão do eleitorado.

Alguém viu por aí algum desses atributos na execução da engenharia alternativa? Muitíssimo ao contrário: se vê descuido, inconstância, mesquinhez, falta de discernimento, incapacidade de captar e capitalizar as demandas do público, desunião, hesitação, fragilidade nas ações, descrença no propósito e, sobretudo, ausência de marca. Uma possibilidade de ideia-força, da frente ampla, foi encampada por Lula e duas das promessas de candidaturas com aderência popular, de Doria (pela vacinação e bom governo em São Paulo) e de Moro (pelo combate à corrupção), afundaram-se nos equívocos da soberba e da inabilidade política de seus autores.

A rondar a hipótese do infortúnio, toma conta do ambiente a suspeita de que o centro não tenha sido incompetente, e sim propositalmente adepto do corpo mole de resultados a ser negociados com quem seja eleito ou reeleito.

Publicado em VEJA de 27 de abril de 2022, edição nº 2786

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