Correio Braziliense
Com as devidas vênias, os votos de Moraes e
Marques reproduzem as narrativas disseminadas nas redes sociais sobre aqueles
episódios, cujos fatos são teimosos
Começou, nesta quarta-feira, o julgamento
dos “patriotas” que deixaram o acampamento em frente ao quartel-general do
Exército, no Setor Militar, para invadir e depredar o Palácio do Planalto, o
Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes,
relator das ações que apuram os atos golpistas, pediu a condenação de Aécio
Lúcio Lopes Costa Pereira, que aparece em imagens do dia dos ataques dentro do
plenário do Senado, a 15 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de
detenção (regime aberto).
Abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, golpe de Estado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa são os crimes que teria cometido, segundo Moraes. Para o relator, o que ocorreu não foi um “domingo no parque”, foi uma ameaça real à democracia, que somente não se concretizou porque as Forças Armadas não aderiram ao movimento. O objetivo era destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma semana após a sua posse.
A contestação a Moraes veio logo no segundo
voto, do ministro Kassio Nunes Marques, que defendeu a condenação do réu apenas
por dano qualificado e deterioração do patrimônio público. Marques foi indicado
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e desqualificou as acusações de abolição do
Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. A pena que propôs foi de dois
anos e meio de prisão.
Para o ministro não ficou evidenciado nos
autos os danos ao patrimônio gerado pelo réu que invadiu prédios públicos em
Brasília. Outras pessoas participaram das ações. O réu aparece nas imagens
registradas pelas câmaras do Senado, durante a invasão do Congresso. Depois,
gravou um vídeo na área externa do Supremo no qual relatou o que ocorreu.
Segundo Moraes, o fato de muitos dos
participantes da invasão terem gravado imagens é a demonstração de que
acreditavam no êxito do golpe e não consideravam o risco de serem presos e
condenados por suas ações. Costa Pereira também disseminou imagens nas redes
sociais nas quais incitava as pessoas a sair às ruas para forçar a decretação
de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), supostamente para permitir uma
intervenção militar.
O julgamento será retomado nesta quinta-feira,
com o voto do ministro Cristiano Zanin, que gera expectativas por ser um
garantista. Há duas teses em sintonia com essa corrente jurídica: a do juiz
natural, que Zanin defendeu para anular a condenação do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o que levaria o julgamento de Aécio para a primeira
instância da Justiça Federal, e a de que os réus precisam ser julgados
individualmente, o que tornaria interminável o julgamento dos 1.045 réus do 8
de janeiro.
Com as devidas vênias, a polêmica entre
Moraes e Marques reproduz as narrativas disseminadas nas redes sociais sobre
aqueles episódios. As autoridades responsáveis pelas investigações caracterizam
o que ocorreu como uma tentativa de golpe de Estado, os advogados dos réus e os
partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro constroem uma narrativa de que o
governo se omitiu deliberadamente para responsabilizar o ex-presidente da
República.
O julgamento lembra um pouco o que
aconteceu na Espanha, após a tentativa de golpe de Estado liderada pelo
tenente-coronel Antonio Tejero Molina, que impediu a posse do presidente
Leopoldo Calvo Sotero em 23 de fevereiro de 1981, quando começava a votação
nominal para sua investidura.
O plano fracassou quando o general de
divisão Torres Rojas, governador militar da Corunha, foi impedido de mobilizar
a Divisão Couraçada Brunete pelo seu comandante, general Juste. O rei Juan
Carlos I entrou em cena na tevê, vestindo o uniforme de capitão-general,
condenou o golpe e ordenou que as trompas voltassem aos quartéis.
Em consequência, o Conselho Supremo da
Justiça Militar condenou 29 oficiais golpistas. Molina, Bosch e Amada receberam
penas de 30 anos. Até hoje, ninguém sabe qual dos três ou se um quarto elemento
seria o “Elefante Branco”, o chefe da conspiração. O general Rojas foi condenado
a 12 anos e, depois, indultado.
No dia 8 de janeiro, não houve tropas do
Exército nas ruas, nem a favor nem contra os golpistas. Há indício de
envolvimento de militares próximos Bolsonaro nos acontecimentos, entre os quais
o tenente-coronel Mauro Cid, cuja delação premiada foi homologada por Moraes.
O golpe não ocorreu por causa do legalismo
da cúpula das Forças Armadas e da falta de apoio externo, principalmente dos
Estados Unidos. Moraes tem muito mais informações do que revela no seu voto,
devido ao segredo de justiça das investigações. Deve ter mais motivos para
propor penas tão duras.
Volta às origens
Cotado para uma vaga no STF, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, voltará a dar aulas na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro. É um dos docentes do curso de direito empresarial, falência e recuperação judicial, coordenado pelo desembargador Agostinho Teixeira.
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