quinta-feira, 14 de setembro de 2023

William Waack - O mundo dos bagrinhos

O Estado de S. Paulo

A situação internacional está ficando mais delicada e difícil para o Brasil

Lula divide o mundo entre países tubarões e bagrinhos. Os tubarões estão sentados no Conselho de Segurança da ONU e atacam conforme julgam necessário. Os bagrinhos obedecem a leis e aderem a entidades como o Tribunal Penal Internacional.

Na visão do presidente brasileiro, o Brasil é um bagrinho com pretensões a tubarão, com boas chances de serem realizadas. Sua assessoria internacional lhe garante que o próprio eixo da Terra está mudando depois da recente expansão dos Brics, comandada pela China, um dos tubarões pelos quais Lula tem grande admiração (o outro é a Rússia).

As mordidas que Lula distribuiu até aqui foram na direção dos Estados Unidos. Que ele tem como o principal responsável (senão o único) por uma ordem internacional que condena o Brasil a nadar como bagrinho. Mas agora o exclusivo clube ocidental do G-7, prossegue a assessoria internacional de Lula, não vale mais a mesma coisa e no G-20 o Global South fala de igual para igual com os ricos.

Na verdade, a contestação da “ordem liberal” liderada pelos EUA pelo eixo autocrático China-Rússia criou para o Brasil uma situação extraordinariamente delicada. Já estamos numa guerra fria bem pior e muito mais perigosa do que a última.

Em termos brutalmente simples, o Brasil é parte do amplo mundo ocidental por conta de história, cultura e universo de valores (como direitos humanos). E depende da China como seu principal mercado de exportações de commodities.

Mais ainda: parte relevante da tecnologia e insumos que fizeram do Brasil uma superpotência na produção de alimentos depende de países ocidentais. Assim como o acesso a bens e tecnologias diretamente ligadas a segurança e defesa – Alemanha para o Exército, França para a Marinha e Suécia para a Aeronáutica, todos na Otan.

Neste momento as duas superpotências se empenham em solidificar alianças para contestar a hegemonia de uma ou a pretensão hegemônica de outra. Parecem deslizar para um conflito armado de consequências imprevisíveis na Ásia. A guerra na Ucrânia, que no jargão geopolítico é do tipo “localizada”, obrigou Putin e Xi Jinping a refazer cálculos estratégicos quanto à “decadência” do adversário ocidental.

Mas boa parte do que Lula reproduz em seus discursos sobre a situação internacional são as mesmas avaliações que China e Rússia fazem de um Ocidente em declínio e injusto com os bagrinhos. Acaba prejudicando o que seria o interesse óbvio do Brasil (potência regional média): manter equidistância como puder, enquanto puder. Não precisa se comportar como bagrinho.

 

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