quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Projeto alternativo às GLOs subiu no telhado

Valor Econômico

G-20, Brics e COP 30 no Brasil entre 2024 e 2025 mostram que Brasil terá dificuldade de abrir mão das Forças Armadas, que exigem comando

No biênio 2024/25, o Brasil terá a maior confluência de eventos a projetar a imagem do país. Em novembro de 2024, o Rio sediará a cúpula do G-20, um ano depois, Belém, a COP 30 e, também em 2025, o encontro do Brics, possivelmente, acontecerá em Brasília.

Em Nova Déli, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofuscou o desempenho do Brasil na negociação do acordo que levou ao surpreendente documento final com uma declaração descabida sobre o Tribunal Penal Internacional, da qual recuou sem convencer.

Se Lula pretende deixar a decisão de prender Vladimir Putin com a Justiça, esta hoje tem a percepção de que o líder russo não correrá o risco de vir. Mais difícil é afastar o perigo dos chefes de Estado que virão. Pelo risco de serem alvejados não pela lei mas pelo crime.

Além do combate à desigualdade, o desenvolvimento sustentável e a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, prioridades anunciadas em Nova Déli, o Brasil tem o desafio de mostrar tanto a superação das ameaças à democracia quanto daquelas da segurança.

Convencido de que acertou ao rejeitar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem em 8 de janeiro, Lula pediu uma alternativa ao modelo. Esta alternativa, que envolveria a atuação conjunta de todas as forças de segurança, sob uma coordenação civil, esbarra na resistência das Forças Armadas.

Os militares resistem porque não querem se submeter a instâncias intermediárias, visto que a Constituição os subordina ao presidente da República, e também não veem garantias de que seriam julgados pela Justiça Militar por atos cometidos durante as operações. A contenda, que opõe os ministros da Justiça, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio, ainda está longe de uma resolução.

Em 31 anos, houve 145 GLOs no país. Sua decretação pode advir de greve de policiais, violência urbana, eleições e eventos internacionais. E foram estes últimos os motivos mais frequentes de sua decretação.

Um total de 39 eventos contou com GLOs, desde a primeira delas, a conferência Rio 92, precursora das conferências do clima, as COPs, até uma simples Conferência Mundial do Café.

Em três décadas, as GLOs garantiram a segurança de cinco encontros do Mercosul, três do Brics, dois do BID, da Copa do Mundo e das Confederações, da Olimpíada, da visita do Papa Bento XVI e até da vinda de um único chefe de Estado, George W.Bush, em 2007.

Na Índia, país que convive com o trauma do assassinato de Mahatma Gandhi (1948), pai da nação, e de dois primeiros-ministros, Indira Gandhi (1984) e Rajiv Gandhi (1991), o G-20 teve um esquema de segurança sem precedentes na história da cúpula.

O plano de defesa foi montado para reagir a ataques de drones, mísseis e até de aviões como aqueles do 11/9, que completou 22 anos. A defesa do espaço aéreo arregimentou desde os antigos caças russos Sukhol até os Rafales que o país acabou de comprar. Do Exército saiu a maior fatia dos 50 mil militares que se juntaram aos 80 mil policiais de Déli.

No Brasil, pelo menos no G-20, acrescentem-se os desafios da topografia do Rio. Quantos hotéis estão na linha de mira dos morros da cidade? Além disso, como tanto o G-20 quanto a COP 30 acontecerão no litoral, dificilmente será possível abrir mão da Marinha. A Polícia Federal cogita criar uma coordenação de proteção a pessoas, mas o aparato está nas mãos de militares, que querem um general no comando.

Não há ilusão, no governo brasileiro, de que será possível reprisar esta segurança sem as Forças Armadas. A questão é saber se será possível submetê-las a um comando civil.

Uma coordenação civil das forças de segurança do país demonstraria que o Brasil, de fato, foi capaz de avançar institucionalmente não apenas depois do 8/1 como também depois de intervenções como a da segurança no Rio, em 2018. Sabe-se agora que, depois de ter começado com ares de salvação da pátria, terminou em desvios.

Foi na Índia, porém, que Lula se deparou com a necessidade de optar entre suas convicções em relação à ameaça a seu governo e às instituições e a necessidade de montar uma segurança capaz de garantir a presença dos chefes de Estado.

Nenhum aparato será capaz de evitar que Joe Biden desembarque no Brasil sem os mesmos 14 aviões em cujos porões se transportaram os carros da comitiva americana em Nova Déli.

Também é verdade que as forças de segurança se valem das ameaças do terrorismo e do crime organizado para alimentar seus arsenais - e seu poder. Mas dificilmente Lula estará em condições de pagar para ver. Por isso se acredita, cada vez mais, que não será desta vez que se poderá abandonar as GLOs.

Só a investigação e o julgamento dos militares - da reserva e da ativa - envolvidos no 8/1 seria capaz de contrabalançar o recuo e deixar o país mais perto de virar a página da intervenção militar na ordem civil.

Estorvo

O ex-desembargador Sebastião Coelho denunciou o que chamou de tentativa de “intimidação” do CNJ que, depois de iniciada a sessão de julgamento dos envolvidos nos atos de 8/1, resolveu abrir processo para cassar sua aposentadoria.

Antes de virar advogado de um dos quatro réus em questão, ele se notabilizou com um discurso em que atribuiu sua aposentadoria a um ato de rebeldia contra o discurso do ministro Alexandre de Moraes em posse na presidência do TSE.

O dano do ativismo do CNJ poderá ser aquilatado se o julgamento dos outros 228 réus for para o plenário virtual. A decisão não apenas afetaria a isonomia do julgamento como estaria a demonstrar que a ação penal dos atos antidemocráticos virou estorvo para a Corte.