segunda-feira, 7 de outubro de 2024

*George Gurgel de Oliveira - A Paz como fundamento da democracia e da sustentabilidade

Os conflitos e as guerras regionais colocam em evidência a insustentabilidade da sociedade contemporânea.

Os horrores da guerra, acompanhados em tempo real, espetacularizados nos meios de comunicação para toda a humanidade, evidenciam o nível de barbárie do mundo em que vivemos, que pouco aprendeu diante das tragédias e a destruição desencadeadas durante as guerras mundiais no século XX, proporcionados pelo nazi-fascismo e o holocausto nuclear liderado pelos EUA contra o Japão.

As guerras em andamento envolvendo a Ucrânia e a Rússia, assim como Israel, a Palestina, o Irã e o Líbano são pontas do iceberg que expressam as contradições do mundo em que vivemos, onde ainda persiste a cultura da guerra fria, alimentada pelos EUA, subordinando a Europa à política de expansão militar da OTAN, diante um mundo multipolar, que apresenta a China, a Rússia, líderes do Sul Global, como atores a serem considerados neste insustentável cenário político internacional.

A escalada dos conflitos regionais e das guerras que envolvem diretamente a Rússia, Ucrânia, Israel, Palestina, Líbano, Irã e, indiretamente, os EUA, a China e a Comunidade Européia, coloca em risco a Paz mundial.

Na última década, aumentou significativamente os gastos militares dos países da OCDE, particularmente dos EUA, assim como os da China e da Rússia. Segundo os dados do conceituado Instituto de Pesquisa para a Paz, de Estocolmo, que acompanha os gastos militares dos países, há décadas, apenas os EUA e a Rússia totalizam 90% do arsenal nuclear mundial, perseguidos pela China que vem se modernizando militarmente, como também na área nuclear.

Destaque-se, segundo o referido Instituto, os fabulosos gastos militares dos Estados Unidos no ano de 2023, da ordem de 916 bilhões de dólares, vindo em seguida a China com 296 bilhões de dólares e a Rússia, em terceiro lugar, com 109 bilhões de dólares. Na sequência: Índia, Arábia Saudita, Reino Unido, Alemanha, Ucrânia, França, Japão, possuem orçamentos entre 83,6 bilhões de dólares, no caso da Índia, que ocupa 4ª

posição na lista, até o Japão, décimo colocado, com investimentos militares da ordem de 50,2 bilhões de dólares. Dos países em guerra, a tragédia maior é da Ucrânia, que investe 37% do seu PIB em gastos militares. A Rússia utiliza 5,9% e Israel, na décima quinta posição, aplica 27,5 bilhões de dólares, correspondente a 5,3% do PIB nacional. São valores astronômicos, via de regra, subestimados, não revelando claramente as tragédias políticas, econômicas, sociais e ambientais de cada país e região onde as guerras acontecem; nem como acontecem as tenebrosas transações envolvendo os complexos industriais militares das potências hegemônicas e os países europeus, asiáticos, africanos e latino-americanos.

A Comunidade Internacional, particularmente a ONU, como se posiciona frente a esta trágica realidade?

Atualmente, qual seria a razão de existir da própria OTAN? Como sabemos, ela foi criada sob a liderança dos EUA, depois da segunda guerra mundial, para impedir a expansão da ex-União Soviética. A URSS já não existe, desde 1991!

Assim, as guerras e os conflitos regionais colocam em cheque o anacronismo das atuais organizações multilaterais, principalmente da ONU, que ainda funcionam com a lógica dos vencedores da segunda guerra mundial, com o poder de veto da Rússia (substituindo a URSS), dos EUA, da Inglaterra, da França e da China.

Segundo a ONU, existem atualmente no mundo 30 regiões em conflitos, a maioria armados. Os conflitos envolvem disputas territoriais, diferenças étnicas, religiosas e apropriação das fontes naturais: água, petróleo, gás, biomassa, energia solar, eólica... Portanto, existem no mundo zonas de tensão geopolítica não resolvidas há décadas, a exemplo da Coreia do Norte, do Irã, da Palestina e do Israel. Ainda há movimentos separatistas que criam instabilidades políticas e econômicas, como na Irlanda do Norte, no País Basco  e na Catalunha, no Quebec e na Colômbia, entre outros.

Neste contexto mundial é que devemos avaliar as guerras e os conflitos regionais, ora em curso.

Sob qual perspectiva nos colocamos? O que temos a dizer, como sociedade brasileira e mundial, no processo de construção de novas relações internacionais centradas na vida, no caminho de uma sociedade mais solidária, tendo a Paz como fundamento da sustentabilidade humana no planeta?

A lógica da guerra, de resolver os conflitos entre os países manu militari, não interessa à maioria da humanidade. Interessa aos complexos industrial-militar das potências hegemônicas, historicamente construídos, consolidados nos tempos da guerra fria e que sobrevivem até a atualidade. Os senhores da guerra acumulam lucros fantásticos no processo de destruição e reconstrução dos territórios atingidos pelas guerras e conflitos militares, matando, na maioria das vezes, as crianças, a juventude e os idosos, além da destruição da própria natureza, dos centros urbanos e industriais, da arquitetura e da cultura milenar da humanidade. Imaginem se os gastos militares, desde a primeira guerra

mundial, tivessem sido investidos para a afirmação de uma Cultura de Paz? Para o enfrentamento dos reais problemas políticos, econômicos, sociais e ambientais da sociedade humana?

A pactuação desta construção coletiva, através do diálogo e da cooperação permanentes entre os organismos multilaterais, a exemplo da ONU, são desafios colocados às dificuldades que estamos vivendo em função das guerras e conflitos regionais em andamento, espetacularizados nos meios de comunicação. As guerras na Ucrânia, na Palestina, em Israel, no Irã e no Líbano, como outros conflitos regionais em curso, desnudam as fragilidades dos sistemas políticos, econômicos e sociais do mundo em que vivemos, desafiando a humanidade na perspectiva de construção de novas relações entre sí e com a própria natureza.

As realidades das ruas e das redes sociais trazem, em tempo real, para toda a Humanidade, as tragédias sociais de milhões de pessoas que sobrevivem aos massacres militares em curso no mundo. A maioria destas populações continuam à margem das conquistas sociais elementares: educação, trabalho, alimentação, moradia, saúde, saneamento básico, mobilidade, inclusão digital e renda básica, apontados como direitos universais.

A luta pela Paz é a luta pela Sustentabilidade do Planeta, é a luta pela vida de cada um de nós. A política, a diplomacia e a cidadania devem estar juntas agindo no sentido de resolução dos conflitos militares, dos refugiados ou de qualquer outro conflito social, econômico e ambiental existentes hoje no mundo. A ONU deve ser o espaço privilegiado no caminho de resolução dos conflitos militares entre a Rússia e a Ucrânia, entre Israel, a Palestina e o Líbano; de todos os outros conflitos militares em curso no planeta. Cada ser humano é importante, independente da sua nacionalidade, da sua pele, opção sexual ou religião.

Assim, como nunca, devemos afirmar e reafirmar os valores que nos fazem humanidade: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade, a liberdade e a fraternidade .Há espaços no Brasil e no mundo para a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais, direcionando o conhecimento humano acumulado a favor do enfrentamento dos reais problemas econômicos, sociais e ambientais da Humanidade. 

Os caminhos e as alternativas estão colocados: as opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. A questão democrática, a sustentabilidade e a cultura da paz se colocam como valores universais para a sociedade contemporânea nas suas relações entre si e com a própria natureza, no caminho de sermos uma melhor humanidade.

Estamos desafiados!

*George Gurgel de Oliveira, da UFBA e Diretor do Instituto Politécnico da Bahia

 

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