Os horrores da guerra, acompanhados em tempo
real, espetacularizados nos meios de comunicação para toda a humanidade,
evidenciam o nível de barbárie do mundo em que vivemos, que pouco aprendeu
diante das tragédias e a destruição desencadeadas durante as guerras mundiais
no século XX, proporcionados pelo nazi-fascismo e o holocausto nuclear liderado
pelos EUA contra o Japão.
As guerras em andamento envolvendo a Ucrânia e a Rússia, assim como Israel, a Palestina, o Irã e o Líbano são pontas do iceberg que expressam as contradições do mundo em que vivemos, onde ainda persiste a cultura da guerra fria, alimentada pelos EUA, subordinando a Europa à política de expansão militar da OTAN, diante um mundo multipolar, que apresenta a China, a Rússia, líderes do Sul Global, como atores a serem considerados neste insustentável cenário político internacional.
A escalada dos conflitos regionais e das
guerras que envolvem diretamente a Rússia, Ucrânia, Israel, Palestina, Líbano,
Irã e, indiretamente, os EUA, a China e a Comunidade Européia, coloca em risco
a Paz mundial.
Na última década, aumentou significativamente
os gastos militares dos países da OCDE, particularmente dos EUA, assim como os
da China e da Rússia. Segundo os dados do conceituado Instituto de Pesquisa
para a Paz, de Estocolmo, que acompanha os gastos militares dos países, há
décadas, apenas os EUA e a Rússia totalizam 90% do arsenal nuclear mundial,
perseguidos pela China que vem se modernizando militarmente, como também na
área nuclear.
Destaque-se, segundo o referido Instituto, os
fabulosos gastos militares dos Estados Unidos no ano de 2023, da ordem de 916
bilhões de dólares, vindo em seguida a China com 296 bilhões de dólares e a
Rússia, em terceiro lugar, com 109 bilhões de dólares. Na sequência: Índia,
Arábia Saudita, Reino Unido, Alemanha, Ucrânia, França, Japão, possuem
orçamentos entre 83,6 bilhões de dólares, no caso da Índia, que ocupa 4ª
posição na lista, até o Japão, décimo
colocado, com investimentos militares da ordem de 50,2 bilhões de dólares. Dos
países em guerra, a tragédia maior é da Ucrânia, que investe 37% do seu PIB em
gastos militares. A Rússia utiliza 5,9% e Israel, na décima quinta posição,
aplica 27,5 bilhões de dólares, correspondente a 5,3% do PIB nacional. São
valores astronômicos, via de regra, subestimados, não revelando claramente as
tragédias políticas, econômicas, sociais e ambientais de cada país e região
onde as guerras acontecem; nem como acontecem as tenebrosas transações
envolvendo os complexos industriais militares das potências hegemônicas e os
países europeus, asiáticos, africanos e latino-americanos.
A Comunidade Internacional, particularmente a
ONU, como se posiciona frente a esta trágica realidade?
Atualmente, qual seria a razão de existir da
própria OTAN? Como sabemos, ela foi criada sob a liderança dos EUA, depois da
segunda guerra mundial, para impedir a expansão da ex-União Soviética. A URSS
já não existe, desde 1991!
Assim, as guerras e os conflitos regionais
colocam em cheque o anacronismo das atuais organizações multilaterais,
principalmente da ONU, que ainda funcionam com a lógica dos vencedores da
segunda guerra mundial, com o poder de veto da Rússia (substituindo a URSS),
dos EUA, da Inglaterra, da França e da China.
Segundo a ONU, existem atualmente no mundo 30
regiões em conflitos, a maioria armados. Os conflitos envolvem disputas
territoriais, diferenças étnicas, religiosas e apropriação das fontes naturais:
água, petróleo, gás, biomassa, energia solar, eólica... Portanto, existem no
mundo zonas de tensão geopolítica não resolvidas há décadas, a exemplo da
Coreia do Norte, do Irã, da Palestina e do Israel. Ainda há movimentos
separatistas que criam instabilidades políticas e econômicas, como na Irlanda
do Norte, no País Basco e na Catalunha, no Quebec e na Colômbia, entre
outros.
Neste contexto mundial é que devemos avaliar
as guerras e os conflitos regionais, ora em curso.
Sob qual perspectiva nos colocamos? O que
temos a dizer, como sociedade brasileira e mundial, no processo de construção
de novas relações internacionais centradas na vida, no caminho de uma sociedade
mais solidária, tendo a Paz como fundamento da sustentabilidade humana no
planeta?
A lógica da guerra, de resolver os conflitos
entre os países manu militari, não interessa à maioria da humanidade. Interessa
aos complexos industrial-militar das potências hegemônicas, historicamente
construídos, consolidados nos tempos da guerra fria e que sobrevivem até a
atualidade. Os senhores da guerra acumulam lucros fantásticos no processo de
destruição e reconstrução dos territórios atingidos pelas guerras e conflitos
militares, matando, na maioria das vezes, as crianças, a juventude e os idosos,
além da destruição da própria natureza, dos centros urbanos e industriais, da
arquitetura e da cultura milenar da humanidade. Imaginem se os gastos
militares, desde a primeira guerra
mundial, tivessem sido investidos para a
afirmação de uma Cultura de Paz? Para o enfrentamento dos reais problemas
políticos, econômicos, sociais e ambientais da sociedade humana?
A pactuação desta construção coletiva,
através do diálogo e da cooperação permanentes entre os organismos
multilaterais, a exemplo da ONU, são desafios colocados às dificuldades que
estamos vivendo em função das guerras e conflitos regionais em andamento,
espetacularizados nos meios de comunicação. As guerras na Ucrânia, na
Palestina, em Israel, no Irã e no Líbano, como outros conflitos regionais em
curso, desnudam as fragilidades dos sistemas políticos, econômicos e sociais do
mundo em que vivemos, desafiando a humanidade na perspectiva de construção de
novas relações entre sí e com a própria natureza.
As realidades das ruas e das redes sociais
trazem, em tempo real, para toda a Humanidade, as tragédias sociais de milhões
de pessoas que sobrevivem aos massacres militares em curso no mundo. A maioria
destas populações continuam à margem das conquistas sociais elementares:
educação, trabalho, alimentação, moradia, saúde, saneamento básico, mobilidade,
inclusão digital e renda básica, apontados como direitos universais.
A luta pela Paz é a luta pela
Sustentabilidade do Planeta, é a luta pela vida de cada um de nós. A política,
a diplomacia e a cidadania devem estar juntas agindo no sentido de resolução
dos conflitos militares, dos refugiados ou de qualquer outro conflito social,
econômico e ambiental existentes hoje no mundo. A ONU deve ser o espaço
privilegiado no caminho de resolução dos conflitos militares entre a Rússia e a
Ucrânia, entre Israel, a Palestina e o Líbano; de todos os outros conflitos
militares em curso no planeta. Cada ser humano é importante, independente da
sua nacionalidade, da sua pele, opção sexual ou religião.
Assim, como nunca, devemos afirmar e
reafirmar os valores que nos fazem humanidade: a cooperação, a solidariedade, a
luta pela igualdade, a liberdade e a fraternidade .Há espaços no Brasil e no
mundo para a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais,
direcionando o conhecimento humano acumulado a favor do enfrentamento dos reais
problemas econômicos, sociais e ambientais da Humanidade.
Os caminhos e as alternativas estão
colocados: as opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. A
questão democrática, a sustentabilidade e a cultura da paz se colocam como
valores universais para a sociedade contemporânea nas suas relações entre si e
com a própria natureza, no caminho de sermos uma melhor humanidade.
Estamos desafiados!
*George Gurgel de Oliveira, da UFBA e Diretor
do Instituto Politécnico da Bahia
Nenhum comentário:
Postar um comentário