O publicitário Duda Mendonça, que se transformou em símbolo da crise do mensalão
quando, em CPI de 2005, surpreendeu a todos revelando que recebera pagamento de
cerca de R$ 10 milhões no exterior pela campanha eleitoral que elegeu Lula
presidente em 2002, foi absolvido ontem pelo Supremo Tribunal Federal das
acusações de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O pagamento foi feito através do publicitário Marcos Valério a uma empresa
que Duda Mendonça abriu no exterior apenas para receber o pagamento que lhe era
devido, com dinheiro saído de contas de vários bancos pelo mundo, e essa
revelação provocou na ocasião choro e ranger de dentes entre os petistas, sendo
que muitos deles foram ao púlpito da Câmara e do Senado pedir desculpas ao povo
brasileiro. Estava criado naquele momento um clima propício ao pedido de
impeachment de Lula, pois o pagamento ilegal se referia diretamente à campanha
eleitoral, e ele só não aconteceu porque houve muitas negociações nos
bastidores, e a oposição não quis enfrentar a luta política que certamente
seria desencadeada.
Imaginando que Lula estava mortalmente ferido, optou por deixá-lo sangrar,
na expectativa de que não tivesse recuperação. O cálculo da oposição mostrou-se
equivocado, e, com a economia recuperando fôlego, Lula acabou se reelegendo em
2006. Ontem, o STF recuperou do passado o episódio para, à luz da legislação,
desidratá-lo, tratando-o como um caso menor de erro de um contribuinte qualquer
que acabou pagando sua dívida com o Imposto de Renda e regularizou sua
situação.
Apenas o relator Joaquim Barbosa deu importância ao crime de lavagem de
dinheiro do qual acusou o publicitário e sua sócia Zilmar Fernandes, tendo sido
voto vencido, com apenas mais dois colegas acompanhando seu exemplo.
A posição da maioria do plenário foi definida muito mais por questões
técnicas do que pela análise dos fatos concatenados, como continuou fazendo o
relator. Rosa Weber foi a primeira a chamar a atenção para a falha na acusação
do Ministério Público (MP), que não apontou como crime antecedente da lavagem
de dinheiro a evasão de divisas cometida pelo núcleo financeiro comandado por
Valério. "A denúncia não pode ser implícita", advertiu a ministra
quando o relator insistiu em que a peça do procurador-geral da República falava
em "crimes contra o sistema financeiro nacional", o que incluiria a
evasão de divisas.
Barbosa ainda tentou defender a tese de que um "deslize verbal" da
acusação não poderia invalidar a denúncia, que para ele estava clara: o
publicitário Duda Mendonça abriu conta no exterior apenas para receber
pagamento que o Partido dos Trabalhadores lhe devia. O fato de o dinheiro ter
sido enviado através das empresas de Valério para o exterior seria a prova de
que Duda sabia que a origem daquele dinheiro era no mínimo duvidosa, o que o
próprio réu admitiu em seu depoimento à Justiça.
Mas apenas Gilmar Mendes e Luiz Fux seguiram a linha do relator, ficando os
demais com a tese do revisor, que viu na denúncia uma falha que a invalidava.
Foi ressaltado até mesmo o fato de o procurador-geral da República, em suas
alegações finais, ter deixado a critério do plenário a definição do crime
praticado por Duda, se lavagem de dinheiro ou evasão de divisas. Essa situação
demonstrava, para o revisor e a maioria dos ministros, que o MP não estava
convicto de sua acusação. Não foi suficiente Barbosa lembrar que ele também não
aceitara aquela atitude do procurador-geral, rejeitando-a.
Houve momento em que Barbosa, claramente irritado por sentir que perdia a
discussão, admitiu que poderia até mesmo mudar seu voto para que o MP
aprendesse a ser específico em sua acusação.
A decisão do STF de que Marcos Valério, seus sócios e os dirigentes do Banco
Rural utilizaram-se de métodos ilegais como evasão de divisas para o pagamento
do marqueteiro, e por isso foram condenados, confirma que até mesmo a campanha
eleitoral de 2002 foi contaminada com dinheiro ilegal.
Mas o fato é que a maioria dos ministros ateve-se a questões formais para
inocentar Duda Mendonça, o que retirou do processo um fator simbólico. E
demonstrou mais uma vez que o plenário do Superior Tribunal Federal não se
deixa levar por apelos políticos no julgamento do mensalão.
Fonte: O Globo
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