- O Globo
Quem se interpôs entre a presidente Dilma e a sua vontade férrea de fazer a hidrelétrica de Belo Monte perdeu o cargo ou ficou falando sozinho. Para que saísse a licença ambiental, foram despachadas ordens diretas do Palácio do Planalto. Ponderações dos técnicos foram ignoradas. O Ibama foi atropelado. Relatórios de especialistas do próprio governo foram deixados de lado.
O debate em torno da hidroelétrica mais controversa do país foi silenciado porque o governo não quis ouvir ninguém. No dia do leilão, ouvi especialistas em várias áreas. Havia um rio de dúvidas, como escrevi. O governo não quis que houvesse um consórcio só e fez outro, às pressas, empurrando estatais e fundos de pensão com algumas empreiteiras para formar um outro grupo, e foi esse que venceu. Foi tudo tão improvisado que a empreiteira Queiroz Galvão, que estava no consórcio, saiu dele logo após vencer. Era a primeira vez que se ouvia que uma empreiteira saía do consórcio que acabava de vencer.
Havia estatais nos dois consórcios que disputaram o leilão, realizado apesar de todas as dúvidas e questionamentos a seis meses das eleições. O governo garantia que a obra ficaria em R$ 19 bilhões. Escrevi neste espaço que o preço final seria no mínimo R$ 30 bilhões, porque esse era o número que as empreiteiras admitiam que de fato custaria. Hoje, o consórcio empreendedor argumenta que foram alguns imprevistos e a inflação que elevaram o custo. Não é verdade, todos eles sabiam que a obra ficaria nesse preço, e isso eu ouvi de mais de uma empresa envolvida no projeto.
No começo de 2010, foi um atropelo só. Técnicos do Ibama disseram que não tinham condições de avaliar a viabilidade ambiental. Uma reunião na Casa Civil no dia 7 de janeiro determinou que fosse dada a licença. Três diretores se demitiram. Os técnicos continuaram afirmando que não tinham condições de dar o documento. Mesmo assim, ele foi concedido no dia primeiro de fevereiro. Publiquei aqui essa troca de mensagens.
O Ministério Público fez várias perguntas ao BNDES em março de 2010, e ele respondeu que desconhecia detalhes do projeto. Era o grande financiador de uma obra que seria licitada em pouco mais de três meses e mesmo assim admitia desconhecimento.
Tudo foi ignorado: documentos de cientistas fazendo os mais variados alertas de que os riscos não estavam dimensionados, de que o regime hídrico mudaria durante a vida útil da usina, de que não fora possível avaliar o volume de sedimentos do rio, nem o impacto do canal de 100 quilômetros que seria construído, ou os avisos de que não se avaliara devidamente os riscos para os indígenas.
A obra foi feita da forma mais autoritária que já se viu na democracia. Aliás, nem a ditadura quis enfrentar esses riscos, e a obra projetada foi adiada. Havia dúvidas razoáveis sobre a vantagem de fazer uma hidrelétrica deste tamanho em um rio cuja vazão oscila muito. É falsa a informação tão insistentemente propagada de que ela é uma hidrelétrica de 11 mil megawatts. Na verdade, ela produzirá, em média, 4 mil megawatts, exatamente por essa oscilação. Os técnicos suspeitam que haverá meses em que ela não vai conseguir gerar muito mais que mil megawatts.
A obra tinha muitas objeções técnicas de várias áreas, mas, além disso, tinha-se o temor de que ela fosse encarecendo ao longo do processo. Foi exatamente isso que aconteceu. Mesmo quem era favorável ao projeto reclamava da maneira atropelada com que foram estabelecidos os parâmetros, dadas as licenças, montada a engenharia financeira. Por fim, ainda foi feita uma licitação em que, diante do temor de haver apenas um consórcio, o governo fabricou outro.
Hoje, tudo isso é matéria vencida, o projeto está sendo construído, já custa muito mais do que o governo disse que custaria, houve conflitos entre índios, foram desrespeitadas condicionantes, e a obra está atrasada.
De qualquer maneira, é bom lembrar que os que não foram ouvidos estavam certos, principalmente quando circula a informação de que os principais dirigentes da Camargo Corrêa admitiram que pagaram R$ 100 milhões ao PT e ao PMDB pela hidrelétrica de Belo Monte. Era só o que faltava, mas que sempre se temeu que houvesse.
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