segunda-feira, 15 de junho de 2015

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Hayek x Keynes: o debate revisitado

- Valor Econômico

• A presença do governo na dinâmica econômica é um elemento necessário, apesar dos riscos envolvidos

Com o fim do keynesianismo da Unicamp e do PT, o debate econômico no Brasil está se dirigindo para uma nova polarização. A briga agora será entre os valores corretos de Keynes e o quadro ideológico clássico de Frederik Hayek. Na última semana tivemos um primeiro confronto explícito de ideias tendo a mim como um dos participantes - entrevista no Valor - e Luis Stuhlberger do lado do economista austríaco. Como sei que poucos tomaram conhecimento deste primeiro confronto vou hoje explorar este conflito de visões tão diferentes.

Começo pelos comentários sobre um livro interessantíssimo que li nas últimas semanas. Chama-se "Keynes versus Hayek, The Clash that defined Modern Economics". Escrito por Nicholas Wapshott, descreve os quase 30 anos em que estes dois gigantes conviveram no mesmo espaço temporal.

Hayek defendia que o governo deveria manter-se fora do jogo econômico, deixando as forças de mercado agir com total liberdade. Nesta situação, a tendência natural das economias seria a de viver eternamente em equilíbrio. Já Keynes negava a existência desta ordem natural do equilíbrio e ponderava que o risco de graves crises cíclicas estaria sempre presente sem a intervenção do governo. Não acreditava em racionalidade econômica estrutural dos mercados e pregava que, em momentos de desequilíbrio, uma ação dos governos, por meio principalmente de uma política fiscal ativa, é necessária para compensar a falta de demanda privada adequada.

Keynes nos ensinou que não existe a tal ordem natural das economias, mas que elas operam dentro de um espaço influenciado pelo ser humano, tanto ao nível do indivíduo como do coletivo. E o Homem econômico de Keynes tem todos os defeitos e qualidades do cidadão comum e a política econômica tem que ser construída em um mundo imperfeito e sujeito a desequilíbrios periódicos.

Já Hayek trabalha com a ideia de que o perfeito é possível e que, por isto, deve sempre ser buscado. Em outras palavras, tem uma visão radical de que não há saída possível fora de seu quadro teórico de uma economia racional e livre de qualquer interferência do Estado. Sua posição idealista sobre a natureza do homem econômico se contrapõe à visão mais cínica de Keynes em relação ao ser humano e seu funcionamento em sociedade.

Trazendo estas diferenças para o Brasil de hoje é que se pode entender minha entrevista no Valor e o negativismo de Luis Stuhlberger em relação ao Brasil nas páginas amarelas da "Veja".

Para não ficar apenas no nível da abstração, um exemplo das nossas divergências é o BNDES e sua função na economia brasileira. Esta instituição financeira é para mim - que fui seu presidente por três anos - um dos instrumentos importantes do desenvolvimento brasileiro das últimas décadas. Para os seguidores de Hayek, como Stuhlberger, é um dos demônios a ser extirpado de nosso arranjo institucional.

Inicio este debate fazendo a defesa vigorosa desta instituição financeira, apesar de críticas que tenho sobre alguns aspectos da gestão Luciano Coutinho. E para ser bem específico nesta defesa cito logo uma questão central que hoje está presente na mídia brasileira: o apoio do BNDES à indústria de processamento de carnes, principalmente à empresa JBS.

Este programa começou na minha gestão com o objetivo de trazer este segmento para o setor formal da economia. Em 1996, quando começou o apoio do BNDES, quase 70% dos frigoríficos brasileiros viviam na informalidade total, sem pagar impostos - principalmente o ICMS - e fora do controle sanitário do setor público. À época quase 50% do abate de animais no Brasil era realizado clandestinamente.

O BNDES iniciou um programa com um grupo restrito de empresas do setor e que tinham à época uma estrutura operacional mais organizada. Não havia outra forma de iniciá-lo sem esta etapa inicial de escolha de certo número de empresas, identificadas segundo critérios objetivos.

Decorridos vinte anos, o setor de frigoríficos no Brasil está quase que totalmente formalizado, com rigoroso controle sanitário, exportando para os mercados mais importantes do mundo. O chamado abate informal representa hoje apenas 8% do total. A JBS e a Marfrig têm presença internacional marcante e suas ações são negociadas na Bovespa, o que é um indicador importante da mudança na governabilidade destas empresas. Com este novo arranjo institucional, a pecuária brasileira transformou-se em uma das líderes mundiais, com um volume de exportações expressivo e crescente.

Outro exemplo exitoso da ação do BNDES é a Embraer, uma das empresas líderes no sofisticado mercado de aeronaves civis e mesmo de aviões militares. Colocada em uma posição de destaque na indústria brasileira, representa um caso único na nossa história, dada a fragilidade tecnológica de nossas empresas. Não tenho dúvidas em afirmar que a Embraer não existiria sem a presença do BNDES em nosso sistema financeiro.

Poderia citar outros momentos em que, como presidente do BNDES, vivenciei a importância dessa instituição. Mas o importante é trazer de volta um dos ensinamentos que Keynes deixou para todos nós: a presença do governo na dinâmica econômica é um elemento necessário nas economias modernas apesar dos riscos envolvidos, e que podem aparecer em função de erros na sua gestão.

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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

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