- O Globo
O Brasil chega mal à Conferência do Clima de Paris. O desmatamento cresceu 16%. Sofremos os efeitos do pior desastre com rejeitos de mineração da nossa história. As notícias mostram retrocesso, mas o governo vai apresentar em Paris interpretações favoráveis dos dados e fatos. O governo processará a Samarco pedindo R$ 20 bilhões, mas nunca explicou por que não fiscaliza o setor de mineração.
Em outras reuniões, as autoridades brasileiras aproveitaram o desconhecimento dos estrangeiros para torcer números e fatos. O sistema de verificação de desmatamento, Prodes, confirmou o que outros institutos, como o Imazon, já haviam mostrado: houve um aumento de 16% no desmatamento na Amazônia, chegando a 5.831 km2 entre agosto do ano passado e julho deste ano. Segundo Beto Veríssimo, do Imazon, o dado será revisto em maio e pode aumentar. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, jogou a culpa sobre os estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia, onde houve mais crescimento. “Me frustra muito que não cumpriram os compromissos que assumiram.”
A atitude de terceirização da culpa é a mesma que o governo adotou em relação à Samarco: multa, esbraveja, processa. Só não assume a própria responsabilidade. Entre as inúmeras falhas governamentais reveladas pela tragédia, que deixou 20 pessoas mortas ou desaparecidas e uma devastação ambiental, estão a falta de fiscalização e de ações posteriores ao desastre. O governo garante que nada há de prejudicial na composição química da lama que despejaram sobre Mariana e o Rio Doce.
O Ministério Público Federal pediu um laudo independente aos professores da Universidade Federal de Minas Gerais porque até agora tudo o que se falou ou divulgou, seja pelo governo, seja pela empresa, não convence.
A Vale disse que é areia, a BHP admite que tem também uma mistura de minério. Ministros garantem que a população pode ficar tranquila porque a lama não é tóxica. Falta apresentar um laudo confiável. Por que acreditar em empresas que erraram tanto?
No site da Vale, a resposta que se dá para a composição da lama é que “o rejeito é composto em sua maior parte de sílica (areia)”. E a menor parte? O que mais tem além de areia? Em uma entrevista da direção da BHP a investidores na Austrália, isso foi perguntado por um dos participantes. “Você tem alguma indicação da composição química dos rejeitos e sedimentos?” O presidente da empresa, Andrew Mackenzie, respondeu o óbvio, que não está sendo dito pelas empresas brasileiras, que tem “a mixture of iron ore”, uma mistura de minério de ferro. Mas há temor de elementos ainda mais perigosos.
Quando a lama foi despejada sobre pessoas e meio ambiente, a primeira iniciativa do governo e das empresas deveria ter sido fazer exame, apresentá-lo com transparência e submetê-lo a cientistas que pudessem sustentar a autenticidade do laudo. Não houve isso. O MPF, diante da dúvida, pediu à UFMG uma avaliação independente.
O Greenpeace lançou recentemente o resultado de uma pesquisa que fez com as principais redes de supermercados para verificar se eles respeitam o compromisso que assumiram de que não comprariam carne de frigoríficos que fazem negócios com fazendas de área desmatada ilegalmente. Em nenhum supermercado há 100% de carne verificada e a maioria das redes sequer respondeu à pesquisa. O consumidor brasileiro está contribuindo diariamente, sem querer, para o desmatamento.
O governo em Paris dirá que puniu a Samarco e a está processando. Vai repetir que o Brasil derrubou em 80% o desmatamento e dizer que o último número é o terceiro melhor da história. Vai esconder sua culpa no desastre de Mariana fazendo-se de vítima. O governo irá sofismar e fingir que não sabe que estamos em pleno retrocesso ambiental.
Esta é a mais importante COP da história das COPs. A conferência tem a chance de fechar um acordo histórico de combate às mudanças climáticas. O Brasil tinha tudo para chegar em Paris com a autoridade de um potência ambiental. Mas entrará na reunião na defensiva e escondendo que o fogo se alastra pela Amazônia, o desmatamento cresce, a mineração faz o que quer e pecuaristas ainda derrubam floresta para criar gado.
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