quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Quando o Judiciário joga o jogo da política, a tendência é perder

Luiz Guilherme Arcaro Conci | O Estado de S. Paulo.

Nós carregamos conosco uma percepção a respeito da separação dos Poderes que nos faz acreditar intuitivamente que cada um tem seu espaço. De costume, pensamos que a função do Judiciário se resume a intermediar conflitos e que a decisão é obra de técnicos, os que “conhecem” o direito. Isso funciona bem em campos que afetam pessoas. Mas, a partir do momento que trata do Estado, gera ruído entre as instituições, principalmente quando algumas delas são formadas a partir do voto, da escolha popular.

Quando o Judiciário tenta jogar o jogo da política, a tendência é que perca. Na última semana, depois de o STF decidir, liminarmente, sem condenação definitiva, afastar Aécio Neves (PSDB-MG) de seu mandato e determinar o recolhimento noturno, houve uma enorme reação não apenas de seus pares, mas da comunidade jurídica.

Nessa confusão entre o direito e a política, o Judiciário vem adotando um voluntarismo excessivo, que afronta a técnica. A ausência de reconhecimento pela própria comunidade de juristas dá combustível para o Senado questionar a decisão, pois os “técnicos” discordam entre si.


Os senadores, que deveriam atuar mais como um termômetro da vontade popular, não o fizeram, pois demonstram uma tentativa de salvação coletiva, o que também reforça a deslegitimação da política representativa, já tão arranhada. O caso do senador cassado Delcídio Amaral foi semelhante ao de Aécio: avanço do Judiciário no que a Constituição não prevê. Mas, no caso, havia uma maioria formada contra o governo anterior e se entendeu que valia a pena fortalecer o Judiciário. Fizeram uma leitura política de uma decisão inconstitucional.

Enquanto tais decisões afetivas eram tomadas, no campo racial ou social, dos excluídos, a repercussão era ínfima. Quando chegam àqueles que têm poder político, passa a haver um potencial muito grande de contestação e de enfrentamento importantes. O Judiciário se legitima pela confiança que constrói e o que temos visto é uma clara erosão. Quando os juízes criam uma “Constituição paralela”, assumem uma função que não é deles, riscos que não são convenientes.

O Judiciário está se deslegitimando rápida e profundamente. Talvez sem volta.

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Professor de Direito Constitucional da PUC-SP

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