Benefícios a incontáveis políticos explicam tensão e pressões que cercam o julgamento do habeas corpus e a possibilidade de a prisão em segunda instância ser revista
O “princípio Lula”, pelo qual o acusado não pode ser punido por atrasos jurisdicionais — por exemplo, devido ao juiz que não pode ficar até o fim do julgamento porque precisa apanhar um voo —, e por isso recebe um salvo-conduto para não ser punido, o que aconteceu com o ex-presidente, já tem sido usado por advogados.
A defesa de Geddel Vieira, por exemplo, protocolou pedido ao ministro do Supremo, Edson Fachin, a fim de que o liberte, porque há um recurso desde outubro de 2017 sem resposta na Corte. Argumenta que Geddel também não pode ser prejudicado pela demora do STF e, no mesmo sentido do que aconteceu com Lula, deve ser libertado até que o recurso seja julgado.
Sem entrar no mérito do processo de cada um, a comparação procede, pois a sessão de quinta passada, que julgaria um habeas corpus impetrado a favor de Lula, não pôde julgar o mérito do HC, porque o juiz Marco Aurélio Mello precisava seguir para o aeroporto, outros ministros também tinham problemas de agenda, e a solução encontrada foi dar um raro salvo-conduto a Lula, para que continuasse solto até 4 de abril. Sem risco de ser preso caso seus recursos à segunda instância, TRF-4, de Porto Alegre, fossem rejeitados na segunda-feira. Foi o que aconteceu, e assim terminou bem-sucedido o teste prático do “princípio Lula”.
Mas há possibilidades prováveis e mais preocupantes de impunidades caso o habeas corpus para Lula venha a ser concedido em 4 de abril. Existe, segundo O GLOBO, pelo menos um grupo de nove possíveis beneficiários, no mesmo caso de Lula: condenados em segunda instância, portanto prontos a começar a cumprir a pena, conforme jurisprudência do Supremo em vigor, e que poderão, por meio da extensão do HC concedido ao ex-presidente, se livrar da prisão.
Do grupo, fazem parte, por exemplo, condenados da Lava-Jato como João Cláudio Genu; Luiz Eduardo de Oliveira, irmão de José Dirceu; Agenor Medeiros, representante da OAS no cartel de empreiteiras que saqueou a Petrobras, e Gerson Almada, da Engevix, que acaba de ser preso. Haverá uma corrida de advogados aos tribunais.
Caso a própria jurisprudência da prisão na segunda instância venha a ser alterada, como se maquina no Supremo, por meio de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello, conhecido “garantista”, a serem colocadas em julgamento contra a vontade de Cármen Lúcia, o afrouxamento será geral e irrestrito. Apenas senadores em diversas fases de investigação por corrupção e que concluirão o mandato em dezembro, ficando sem foro privilegiado, são 23.
Esta é a razão pela qual o caso de Lula tem tanta torcida e apoio velado, ou nem tanto, no Legislativo e Judiciário. Este habeas corpus e as ADCs são as armas mais poderosas que enfrenta o ciclo histórico de combate à corrupção dentro do Estado brasileiro, aberto pelo amadurecimento de instituições, na esteira da troca de gerações no Judiciário, no MP e na Polícia Federal.
Se esta estratégia dos grupos que se sentem ameaçados, à direita e à esquerda, der certo, a luta contra o roubo do dinheiro do contribuinte recuará pelo menos para antes de 2014, quando foi criada a Lava-Jato.
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