- O Globo
Rali nas bolsas mostra que o mercado escalou Bolsonaro para exercer o personagem de candidato que fará as reformas econômicas
Rali é como o mercado define um momento de euforia que se reflete na bolsa, nos juros e no câmbio. É o que o país viveu nos últimos dois dias. Mas eles estão eufóricos com o quê? Até pouco mais de um mês, a maioria dos gestores de instituições financeiras acreditava que o candidato ideal era Geraldo Alckmin e tinha muitas dúvidas sobre Jair Bolsonaro. Agora passou a comemorar o crescimento do candidato do PSL. Para entender o momento, é preciso separar a adesão a um político da especulação de curto prazo.
Parte do mercado diz que Bolsonaro fará as reformas econômicas necessárias e equilibrará as contas públicas. Mas é uma convicção recente. Até pouco tempo atrás, tinha apenas dúvidas em relação a ele. Dado que Alckmin não teve o desempenho que esperaram, eles transferiram para Bolsonaro o papel do “candidato reformista”. Nem todos acreditam nisso. Um economista me disse que os operadores escolheram a “cegueira deliberada”, ao ignorar o conflito claro entre a agenda liberal e o conjunto de convicções de Jair Bolsonaro e de seu círculo mais próximo. Diante das contradições, um dos mais importantes economistas do mercado explica assim o momento:
— Estamos interessados nos preços dos próximos 30 dias. Se em junho do ano que vem o governo tiver fracassado, simplesmente o preço passará a ser outro.
Ontem os preços exibiam essa alegria curto prazista. O Banco do Brasil e a Eletrobras chegaram a disparar 10% durante o pregão e fecharam com altas de 9,07% e 8,64%. A Petrobras subiu 4,25% e desde a véspera tinha voltado a ser a mais valiosa do Brasil. O volume financeiro foi o mais alto deste ano, o dólar caiu a R$ 3,88, o menor valor em dois meses. Para sustentar esses preços, eles estão fazendo duas apostas de risco: começaram a dar como certa a vitória do PSL e acreditam que ele terá habilidade para superar a crise.
Numa sondagem feita pela XP com 281 investidores institucionais, pouco mais de um mês atrás, de 28 a 31 de agosto, perguntava-se ao entrevistado qual seria a cotação do dólar na hipótese da vitória de cada um dos cinco candidatos principais. A que deu a maior dispersão foi Jair Bolsonaro. O dólar ia de R$ 3,40 a R$ 4,40 em sete diferentes cotações. Ou seja, ninguém sabia bem o que ele representava. Mas, com a alta do candidato nas pesquisas, eles transferiram para Bolsonaro as expectativas que tinham criado na vitória de um candidato que eles definem com a palavra mágica “reformista”.
Eles comemoram também o fato de o candidato do PT, Fernando Haddad, ter perdido o ímpeto. O PT retrocedeu ao programa pré-2002, com teses já reprovadas pelos fatos. Parte dessa agenda havia sido abandonada na Carta aos Brasileiros. Naquela disputa, em 2002, houve uma disparada do dólar e queda da bolsa com a expectativa de vitória do PT. E tudo acabou sendo resolvido após a posse, principalmente pela equipe que foi formada pelo então ministro Antonio Palocci. Mas naquele tempo o país estava com uma situação fiscal infinitamente melhor do que agora, completando cinco anos com superávit primário. Agora temos cinco anos de déficit.
O raciocínio do mercado é binário. Ele divide a eleição entre reformistas e não reformistas. Complexidades não cabem nesse pensamento. E o vazio de ideias e as propostas conflitantes do candidato Bolsonaro deixaram de ser considerados. O que o economista Paulo Guedes diz é o que o mercado quer ouvir, mas não necessariamente é o que acreditam os operadores políticos e o próprio candidato.
A verdade é que uma bruma de incerteza cobre essa candidatura quando o assunto é economia. Paulo Guedes cancelou, por ordens do chefe, a participação em eventos e recusa entrevistas. Escolheu esconder informação. Durante o período em que Guedes circulou pelo mercado, falou apenas para plateias escolhidas. Evitou participar de debates com os economistas dos outros candidatos. No pouco que falou, causou polêmica ao citar a possibilidade de recriação da CPMF. Então, na verdade, ninguém sabe se o populismo corporativista de direita que Bolsonaro sempre encarnou será abandonado por uma agenda de reformas, corte de gastos e privatização.
Mas como o papel ficou vago com a queda de Alckmin nas pesquisas, o mercado escalou Bolsonaro para representar o personagem. Porque o que ele queria mesmo era um rali. Que pode ser efêmero.
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