Mourão
é apenas vinho da mesma pipa da safra de 2018
Por
estranho que pareça, o grito de guerra “Fora Bolsonaro” é falta de agenda, como
era falta de agenda o “Fora Temer”. O governo do capitão é desastroso no varejo
e no atacado. Diante de uma pandemia, todas as suas ideias e iniciativas
estavam erradas. Sua “nova política” aninhou-se no Centrão, o Brasil virou um
pária. A tragédia do Amazonas mostrou que o pelotão palaciano gosta de ficar
zangado; com João Doria, com a Pfizer, com a China e com quem disser que eles
não sabem trabalhar. Mesmo assim, o capitão chegou ao Planalto pela vontade de
57,8 milhões de eleitores, e a Constituição diz que pode ficar lá até o dia 1º
de janeiro de 2023.
O
grito de “Fora Bolsonaro” é falta de agenda porque não tem base nem propósito.
Não tem base parlamentar, e isso foi informado pela senadora Simone Tebet. Não
tem base popular porque 28% dos entrevistados pelo Datafolha ainda acham que
ele está fazendo o certo no combate à Covid. Sua popularidade está derretendo.
O capitão é rejeitado por 40%, mas ainda tem o apoio de 31%. Admitindo que a
velocidade desse desgaste prossiga, em um mês ele ainda terá 25% de
admiradores.
No mundo dos sonhos de quem grita “Fora Bolsonaro”, se ele for embora, as coisas melhoram. Se isso acontecer, para a cadeira vai o general Hamilton Mourão. Ele é um vice singular. Nada tem a ver com seus antecessores que foram catapultados à cadeira de presidente. Michel Temer e Itamar Franco tinham identidades políticas. Mourão é apenas vinho da mesma pipa da safra de 2018. Foi escolhido numa reunião matutina porque o príncipe de Orleans e Bragança achou que ainda se vivia no Império. Itamar fez discretos acenos à oposição. Temer chegou a anunciar um plano de governo. Para o bem ou para o mal, o general tem sido um fiel comandado do capitão.
Itamar
e Temer mudaram o curso das administrações de Fernando Collor e de Dilma
Rousseff. Ganha uma fritada de morcego do mercado de Wuhan quem for capaz de
desenhar mudanças possíveis com Mourão.
Admita-se
que elas podem acontecer. Aconteceram em 1946, quando elegeu-se presidente o
general germanófilo Eurico Dutra, um marquês da ditadura de Getúlio Vargas. Em
primeiro lugar, Dutra elegeu-se. Além disso, empalmou a essência da plataforma
da oposição democrática. Se o “Fora Bolsonaro” tivesse propostas além do
“Fora”, o grito de guerra teria um conteúdo. Não só ele lhe falta, como a
oposição ao presidente ainda não tem propósito. Olhando para o fim da ditadura,
vê-se que Tancredo Neves encarnava uma proposta.
Bolsonaro
meteu o andar de cima e suas Forças Armadas na ruína que hoje está
personificada no general Eduardo Pazuello. Ele foi para o lugar de Luiz
Henrique Mandetta, que tinha um plano, e de Nelson Teich, que não cumpria ordens
de leigos. A pandemia era uma “gripezinha”, que em dezembro estava no
“finalzinho”, pois a segunda onda era uma “conversinha”.
O
capitão ainda tem quase dois anos de mandato, e sua capacidade de produzir
crises desnecessárias é infinita. Como disse o senador Tasso Jereissati, será
preciso “trincar os dentes” para atravessá-los. O “Fora Bolsonaro” exige um
apenso: “Para quê?”.
Pelo andar da carruagem, essa pergunta precisa entrar na agenda. Ela poderá ser respondida no ano que vem.
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