O Globo / O Estado de S. Paulo
Salta aos olhos que há um surto na
'demanda' por um candidato de centro viável nas eleições em 2022
Na esteira da frenética mobilização do
governo com o projeto da reeleição, o país se viu arrastado para grave crise
institucional. Ao angustiante desalento com o provável desfecho da disputa
presidencial, soma-se agora crescente apreensão com as tensões políticas e
sociais por enfrentar, na longa e tumultuada travessia até o final do mandato
de Bolsonaro.
É natural que estejamos assombrados por
cenários soturnos. Mas a verdade é que ainda é muito cedo para nos deixarmos
levar pelo pessimismo. A esta altura, parece mais frutífero explorar os limites
do possível e tentar vislumbrar contornos de cenários mais promissores.
O quadro torna-se mais claro quando se tenta entrever as dificuldades da reeleição. Bolsonaro tem hoje três preocupações básicas. Duas delas perfeitamente legítimas: proteger sua retaguarda no Congresso e recuperar a popularidade perdida.
Sua terceira preocupação — assegurar a
possibilidade de não aceitar uma derrota eleitoral — tem-se mostrado
completamente tóxica. Não só para o país como para o próprio projeto da
reeleição.
Para proteger sua retaguarda no Congresso,
o presidente colocou todas as suas fichas no Centrão. Já tinha contratado um
seguro básico contra o impeachment, em meados de 2020. Dobrou a aposta, em
fevereiro, ao apoiar a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. E
redobrou-a, agora, ao entregar a “alma do governo” a Ciro Nogueira.
Na fantasia de que poderá recuperar sua
popularidade com uma farra fiscal, em 2022, Bolsonaro conta com sólido apoio do
Centrão. Seus aliados só têm aplausos para a determinação do Planalto de fazer
o que for preciso — whatever it takes — para viabilizar expansões
eleitoreiras de gasto público no ano que vem.
Mas nem tudo são flores. Longe disso. Se há
algo que não interessa em absoluto à cúpula do Centrão é dar respaldo à aposta
de Bolsonaro numa escalada de confrontação que dê margem a um desfecho
autoritário.
Nem tanto por convicção democrática, mas
pela consciência clara de que o poder do Centrão advém das dificuldades de
governabilidade do regime democrático vigente. Numa autocracia, todo esse poder
desapareceria como por encanto.
Como Bolsonaro continua a dar sinais claros
de que não abandonará a aposta na possibilidade de contestar o desfecho da
eleição, as contradições de sua complexa relação com o Centrão deverão se
exacerbar.
E tudo indica que tal aposta será tão mais
pesada quanto mais convencido estiver o presidente de que não conseguirá ganhar
no voto.
Mesmo que Bolsonaro deixe de ser um
candidato tóxico, o Centrão ainda poderá ter boas razões para abandoná-lo, caso
sua candidatura não tenha perspectiva clara de vitória. Não sendo um
agrupamento monolítico, o Centrão poderá abandoná-lo aos poucos, à medida que
seus membros reavaliem, à luz de seus desafios regionais específicos, a aliança
que mais lhes convém na disputa presidencial.
Não faltará, claro, quem argua que, se a
candidatura de Bolsonaro murchar, a vitória de Lula será inevitável. Mas vale a
pena examinar outras possibilidades. São mais do que conhecidas as dificuldades
envolvidas no surgimento, a tempo, de um candidato de centro com boa chance de
ser eleito.
Merece atenção, contudo, o timing da
percepção, a cada dia mais generalizada, de que Bolsonaro não é uma alternativa
aceitável a Lula. E que, ademais, corre alto risco de ser por ele derrotado.
Seria bem pior se isso só ficasse óbvio em
meados de 2022. Mas a escalada precoce de confrontação das instituições por
Bolsonaro vem deixando isso mais do que claro desde já, bem mais cedo do que se
temia. O que talvez crie, no campo fértil da ampla aliança que vem sendo
formada para conter Bolsonaro, ambiente político favorável ao surgimento, a
tempo, de um candidato de centro com chance de ser eleito.
Salta aos olhos que há um surto na
“demanda” por um candidato de centro viável. O mínimo que se pode dizer é que a
probabilidade de que tal candidatura desponte parece agora bem mais alta do que
se imaginava há poucos meses.
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