quinta-feira, 11 de julho de 2024

Vinicius Torres Freire - Mais um calote de estados ricos

Folha de S. Paulo

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, quer facilitar o calote de dívidas estaduais com a União

Imagine a leitora que o governo federal vá doar R$ 30 bilhões por ano aos estados. Esse dinheiro inexiste. Agora mesmo, o ministério da Fazenda pensa em mágicas e milagres para tapar parte do rombo das contas, que calcula em R$ 26 bilhões neste ano. A fim de doar, teria de tomar emprestado, a taxas de juros horríveis.

Em resumo, é o que propõe projeto de lei de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. Por falar em grandes ideias, Pacheco também é autor da proposta de que seja crime, previsto na Constituição, a posse de qualquer droguinha, um plano de incentivo ao encarceramento em massa, entre outras degradações.

Pacheco quer que a dívida dos estados com a União seja refinanciada em 30 anos e que a taxa de juros, ora em 4% ao ano, possa ser zerada.

Se um estado entregar ao governo federal ativos no valor de 10% da dívida, fica livre de 1 ponto percentual da taxa de juros. Se entregar 20%, 2 pontos. Deixa de pagar outro ponto percentual se investir esse dinheiro em educação, infraestrutura e segurança. Por fim, 1 ponto percentual de juros iria para um fundo a ser distribuído entre todos os estados.

A taxa de juros pode ir a zero, pois. Essa conta não desaparece. Apenas é passada adiante. Se não receber os juros dos estados, a União perderia uns R$ 30 bilhões de receita financeira por ano, o equivalente a uns 40% do investimento federal em 2023 (sem contar o custo de financiar esse rombo).

O que são esses "ativos" que estados podem repassar à União? Estatais, como Cemig e Copasa, que o governador liberal de Minas, Romeu Zema (Novo), não vendeu. Estados poderiam se livrar do fardo da privatização; quem sabe tentem superfaturar as empresas. Porém, teria de haver lei federal e estadual para autorizar tal negócio. Um rolo.

Além disso, também são ativos, dívidas e créditos quaisquer a receber. A União seria responsável por cobrar os papagaios, sabe-se lá quantos deles recuperáveis e a qual preço, débitos que até agora os estados não venderam no mercado. Por quê?

Os estados que entrarem no programa poderiam usar aquele 1% de juros sobre a dívida em investimento, mas não em gasto como pessoal, por exemplo. Como verificar? O estado seria obrigado a somar esse 1% de juros perdoados ao que já investe hoje? De outro modo, pode burlar a regra.

Investimento novo até poderia ser útil, se bem feito, o que é duvidoso em estados com finanças escabrosas. O governo federal também quer investir mais. Não pode. Não tem dinheiro.

Entre 1997 e 1999, A União assumiu as dívidas de estados quebrados por endividamento excessivo, má gestão ou bandalheira. Ficou com uma conta cara em troca de os estados pagarem seus débitos refinanciados, em prestações. Desde então, já houve outros perdões.

Estados continuam a se queixar de juros excessivos, em especial Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os casos mais teratológicos de irresponsabilidade, além de São Paulo e Goiás. Estados maiores e mais ricos querem passar a conta para o país inteiro.

A dívida do Rio equivalia em 2023 a 188% da receita corrente líquida do estado. A do Rio Grande do Sul, a 185%. Minas, 168%. São Paulo, que paga as contas, 128%. Dois terços dos estados tinham dívida inferior a 30% da receita.

No projeto de Pacheco, prevê-se que os estados que aderirem à renegociação ficariam sujeitos a regras parecidas com as do arcabouço fiscal: o aumento da despesa poderia ser igual a, no máximo, 70% do aumento real da receita. Mesmo que tal regra sobreviva no Congresso, é pouco restritiva para governos teratológicos.

O sentido geral do projeto de Pacheco é de aumento de gasto e de privilégio para irresponsáveis. Tem grande chance de passar, pois.

 

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