A partir desta semana, o Congresso Nacional terá a histórica oportunidade de definir, pela vontade da maioria, que papel deseja desempenhar na democracia brasileira, quando deliberar sobre a mais importante matéria legislativa em pauta no Parlamento: a revisão do rito das medidas provisórias.
Estaremos diante de uma escolha crucial entre o caminho da necessária recuperação dos princípios básicos que regem as prerrogativas essenciais do Congresso ou o adensamento de uma subserviência que não serve ao país.
Ao relatar a emenda proposta pelo presidente José Sarney que trata do tema busquei agregar propostas fundamentais à análise de matérias com essa natureza e complexidade, partindo do pressuposto que as medidas provisórias deveriam funcionar restritas às condições de excepcionalidade, previstas pela Constituição, e não substituir o rito legislativo.
Neste caminho, buscamos nos manter fiéis a um forte anseio da maioria. Animou-nos o desprendimento e a responsabilidade com que o debate foi travado e a ampla negociação que antecedeu o fechamento de um acordo unânime no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, com o aval inclusive da liderança do governo, e que celebrava um passo importante na direção da recuperação da autonomia responsável do legislativo federal.
O recuo por parte de algumas dessas lideranças em relação ao compromisso acordado e à palavra empenhada, ainda que comprometa as regras básicas de confiança mútua que balizam e legitimam os processos de negociação política, não abala o esforço coletivo que todos precisamos fazer para tornar viável um novo entendimento.
Volto ao centro da questão para desmistificar a ideia de que a aprovação da matéria representaria uma derrota e uma irreparável perda de poder do governismo. Não é verdade.
Em 2001, na condição de presidente da Câmara dos Deputados, levei ao presidente Fernando Henrique a proposta de alteração do rito até então vigente da tramitação das MPs, que permitia reedições sucessivas sem necessidade de aprovação pelo Congresso. Registro, por justiça, que o então presidente aceitou o novo entendimento que foi aprovado com o apoio de todos os partidos políticos com presença no Parlamento.
Naquele momento, prevaleceu a compreensão da necessidade do reequilíbrio entre os poderes sobre a tentação da hegemonia plena. Não houve derrotados ou vencedores, como hoje se tenta impingir a tudo, no autêntico cabo de guerra que se transformou a negociação política. Naquele momento venceu o país.
A oportunidade de rediscussão da matéria sempre significou o degrau seguinte a ser vencido.
Para tanto, três questões são fundamentais a um amplo entendimento:
1. A garantia de tempo suficiente para que cada uma das Casas do Congresso possa discutir as MPs, impedindo, assim, que elas alcancem a análise do Parlamento engolfadas pelos prazos legais, como tem reiteradamente acontecido, impedindo um exame cuidadoso e responsável de cada matéria.
2. A necessidade de haver uma instância que, também com prazo definido, examine a relevância e a urgência da MP, como prevê a Constituição, aprovando ou não sua admissibilidade.
3. E a constitucionalização da vedação ao "contrabando" de matérias estranhas à natureza de uma MP original, como sistematicamente tem ocorrido, sem qualquer constrangimento.
A relevância desse debate nos adverte para os riscos que corremos de permitirmos que o tema seja reduzido a mais uma das muitas batalhas políticas entre governo e oposição. Definitivamente não é, até porque a luta pelas prerrogativas do Congresso é um dever que está acima da condição transitória de cada parlamentar, como oposição ou governo. São prerrogativas que sequer nos pertencem, mas à população, que nos delegou a inegociável responsabilidade de exercê-las.
Como se vê, este não é um tema árido, afeito apenas ao mundo da política e aos especialistas. Ele tem tudo a ver com os valores básicos do país que sonhamos e queremos ser e com o Parlamento que merecemos e podemos ter.
Aécio Neves é senador (PSDB) e foi governador de Minas Gerais.
FONTE: O GLOBO
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