Refinaria lançada por Lula ainda é terreno com mato, disputado por índios
Apontada como prioritária e orçada em US$ 11,4 bi, refinaria do Ceará aguarda liberação de terreno numa área questionada pela tribo anacé
Sergio Torres
SÃO GONÇALO DO AMARANTE (CE) - Dezoito meses após o lançamento da pedra fundamental pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que três dias depois passaria o cargo a Dilma Rousseff, a refinaria cearense Premium 2,apontada como prioritária pela Petrobrás,não passa de um enorme terreno abandonado. Os quase 2 mil hectares destinados ao empreendimento da petroleira não foram nem sequer cercados. Não há sinais de obra.O terreno está tomado por vegetação cerrada, cortada por trilhas e estradas esburacadas de movimento quase inexistente. O local onde houve a solenidade com a presença de Lula e do governador do Ceará, Cid Gomes(PSB),não foi sequer limpo. Placas de orientação aos convidados estão jogadas no matagal. Em uma delas,de fundo branco e letras negras, era legível os trechos "Creden" e "Convid", provável referência ao credenciamento de convidados. O restante da placa desapareceu. Na clareira em que ocorreu a cerimônia permanecem os tocos de madeira em que foram presas as tendas montadas para as autoridades.No solo empoeirado e coberto de mato rasteiro, se avistam as pedras de brita espalhadas para evitar que, se chovesse, tudo virasse um lamaçal. A placa alusiva ao evento,descerrada por Lula, desapareceu.
O principal entrave ao início da obra é fundiário, embora seja uma obra cara, orçada em US$ 11,4 bilhões e a Petrobrás, em seu Plano de Negócios 2011-2016, tenha cortado R$5 bilhões dos gastos destinados ao refino. Índios da tribo anacé reivindicam a área. Sem autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai),a Petrobrás não pode começar a trabalhar no terreno,embora equipes terceirizadas que realizam levantamentos arqueológicos já estejam no local. O atraso no começo da construção da refinaria já soma três anos. Em agosto de 2008, os governos federal e cearense definiram que em 2009 o terreno começaria a ser desmatado e terraplenado. A administração Cid Gomes adquiriu por R$ 126 milhões a área de 1.940 hectares,que engloba trechos rurais dos municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia. O terreno integra a retro área do Complexo Industrial e Portuário do Pecém e fica a cerca de 10 quilômetro do porto, construído há dez anos para o apoio à produção da refinaria e da siderúrgica planejadas para o local desde a década de 90 O questionamento indígena surgiu durante o processo de aquisição dos lotes do terreno. Embora nenhuma família anacé more na área,o argumento apresentado à Petrobrás e ao governo cearense é de que aquela região guarda resquícios de tradições indígenas, tendo, portanto, relevância histórica. Sem o aval da Funai, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente não pode liberar a licença de instalação para a Premium 2, o que impossibilita a Petrobrás de avançar na obra. Os anacés reivindicam uma terra próxima para instalar uma reserva.
Negociação. A Funai ainda não se manifestou oficialmente sobre a polêmica, mas apoia a pretensão dos índios, a quem orientam e acompanham nas discussões. Em maio, a Funai devolveu o Plano Básico Ambiental (PBA) preparado pela Petrobrás, sob alegação de que era um documento incompleto. Reuniões para tratar do assunto vêm sendo realizadas mensalmente. A última, em 28 de julho, em Fortaleza, não resultou em entendimento. Lideranças anacés sugeriram a aquisição pelo Estado de um terreno de 889 hectares em São Gonçalo do Amarante. O governo cearense argumentou que a desapropriação demoraria, o que atrasaria ainda mais a refinaria. A Procuradoria Geral do Estado ofereceu dois outros terrenos, que somam 1,9 mil hectares e poderiam servir como área de proteção indígena. Os anacés ainda não responderam, apesar de terem manifestado insatisfação com a contraproposta. Na tentativa de acelerar o processo, a Petrobrás admitiu, em contatos com o governo do Ceará, responsabilizar-se por metade dos custos do terreno. Para o governador Cid Gomes,a aquisição de uma área grande o suficiente para os anacés pode custar cerca de R$ 30 milhões. Aliados do governador consideram que os problemas criados pela reivindicação dos índios e da demora da Funai em autorizar a refinaria têm um componente político que passa pela eleição estadual de 2014.
Gomes não comenta,mas políticos ligados a ele avaliam que, se a refinaria começar a ser construída logo, o candidato do governo à sucessão terá um trunfo eleitoral bastante expressivo a apresentar na campanha.Se a demora prosseguir, os adversários do candidato de Gomes poderão responsabilizá-lo por não ter executado um projeto do governo federal que traria desenvolvimento e empregos ao Ceará.Antes aliados, PSB, partido do governador, e PT,do governo federal, serão adversários nas urnas. Como a Funai é um órgão da administração federal, sua demora em definir se os índios têm ou não o direito de reivindicar a terra seria um expediente para beneficiar o candidato petista em 2014, na versão difundida por aliados do governador.
Cid Gomes quer definir cronograma "rígido" com estatal
Preocupado com a morosidade na implantação do projeto da refinaria da Petrobrás, o governador Cid Gomes (PSB), afirmou, em entrevista ao "Estado", que, assim que formalizar a entrega do terreno à Petrobrás, apresentará à presidente Graça Foster um cronograma de etapas a serem cumpridas até a inauguração da refinaria, prevista para o fim de 2017 ou início de 2018. A fixação de um cronograma "rígido" será a forma de o governador verificar se a Petrobrás está realmente comprometida com o projeto. Gomes disse que, após a divulgação do Plano de Negócios 2012-16 no fim de junho, imaginou que a petroleira havia desistido do empreendimento, o que o deixou chateado. "Ter uma refinaria é um sonho do Ceará de muitas décadas", disse ele na tarde quarta-feira em seu gabinete no Palácio da Abolição, sede do governo cearense. O governador disse ter saído satisfeito da reunião com Graça no dia 11, no Rio. "Ela me garantiu que a refinaria nunca saiu dos planos da Petrobrás", disse Gomes, que vai buscar na Coreia do Sul um parceiro tecnológico para construir a refinaria Premium 2 com a Petrobrás.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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