domingo, 5 de agosto de 2012

O bom embate - Dora Kramer

"Nada autoriza conclusão tão definitiva, mas, se for essa a opção feita pelo ministro Lewandowski é de se perguntar: que mal há?"

Houve quem se assustasse com o atrito entre o ministro relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, logo no início do julgamento a respeito de uma questão de ordem apresentada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos.

Por que o susto se o assunto foi resolvido no voto mediante embate de ideias?

Provavelmente porque haja entre nós grande resistência em aceitar com naturalidade o exercício contraditório, habitualmente visto como algo condenável. Preferimos sempre a composição à contraposição.

Não por outro motivo, o ofício da oposição visto com reservas. Tido não como algo indispensável à dinâmica democrática, mas como fruto de intenções menores, rebeldia à deriva sustentada em objetivos golpistas de irresponsáveis interessados exclusivamente em inviabilizar o governo em curso.

A divergência inicial do julgamento foi recebida e interpretada como um sinal de que os procedimentos seriam tumultuados pela disposição do ministro revisor de se conduzir como contraponto ao revisor.

Nada autoriza conclusão tão definitiva, mas, se for essa a opção feita pelo ministro Lewandowski é de se perguntar: que mal há?

Os ministros do Supremo não funcionam em sistema de colegiado a não ser na contabilização do resultado em que vence a maioria. De resto, cada qual forma seu voto de acordo com suas convicções e diferentes interpretações dos textos legais.

É justamente no antagonismo que reside a riqueza de uma discussão que, por ser transmitida pela televisão, permite ao cidadão acesso a um conhecimento que normalmente não teria.

Todos os aspectos do processo são explicados à sociedade, esmiuçados à exaustão como ocorreu na primeira sessão.

Quem se interessa mais por conhecer que por simplesmente torcer, teve acesso a informações sobre o significado do instrumento do foro especial de Justiça, o que resultaria em prejuízos ou benefícios do desmembramento do processo e qual a razão de a maioria ter optado por afirmar a competência do STF para julgar a ação conjunta dos réus.

Momentos como aquele são proveitosos e devem se repetir ao longo do julgamento em que o menos relevante é o atraso de dias e até semanas.

Essencial é que o Supremo destrinche o caso à sociedade, que fale ao cidadão e demonstre o valor do bom embate de ideias que tanto faz falta à cidadania no Brasil.

Conjunto da obra. A narrativa do procurador-geral da República em nome da promotoria não constituiu novidade.

Mas o relato feito com começo, meio e fim, em linguagem clara e acessível, recupera e organiza na cabeça do público o fato em julgamento: a ação de um esquema comandando por José Dirceu com o objetivo de cooptar parlamentares para a base de apoio do governo Lula em troca de vantagens financiadas por empréstimos simulados do Banco Rural e desvio de dinheiro do Banco do Brasil.

Para derrubar o exposto pela acusação, a defesa precisará de mais que a justificativa de que a engrenagem descrita por Roberto Gurgel funcionava para suprir o caixa 2 de campanhas eleitorais.

Às favas. O ministro Dias Toffoli não se considera suspeito para julgar antigos companheiros de partido.

O Ministério Público não alegará impedimento para não tumultuar nem atrasar o processo.

Tem-se, com isso, resolvida a questão e desprovidas de sentido as discussões a respeito.

Se Toffoli não vê obstáculo ético e Roberto Gurgel submete a lei a cronogramas, pior para a ética e para a lei.

O dilema agora pertence ao ministro que terá seu voto e os 25 anos que tem pela frente no STF postos em xeque: se votar pela absolvição será objeto da desconfiança de que o fez movido pelo compadrio; se condenar, dirão que decidiu motivado pela necessidade de se afirmar.

De onde o afastamento voluntário sairia mais barato.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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